Era mil novecentos e setenta e três e o país vivia o período da ditadura, sequestros eram uma realidade vista apenas para crimes políticos, até que o menino Carlinhos, de apenas dez anos foi levado de dentro da sua própria casa, em um mistério que se tornou um dos casos mais emblemáticos do país.

O caso do desaparecimento do menino Carlinhos completa cinquenta anos agora em dois mil e vinte e três, mas essa não é apenas a história de um sequestro que nunca foi solucionado, é também uma que marcou o imaginário de gerações e se transformou em um ícone do medo.
Era a noite do dia dois de agosto de mil novecentos e setenta e três e alguns membros da família Ramires da Costa, estava em casa, na rua Alice, no bairro das Laranjeiras na zona sul do Rio de Janeiro, assistindo ao capítulo de Cavalo de Aço, por volta de oito da noite.
De repente, as luzes da casa se apagaram e a família foi checar o que era, quando perceberam, vendo pela janela, que apenas a casa deles havia ficado sem luz.
Foi então que um homem entrou na casa, armado e mandou que Vera Lúcia, a irmã mais velha de Carlinhos, não gritasse e mandou que todos na casa fossem para o banheiro.
O homem, que pela descrição da família era negro, vestia uma blusa vermelha e uma máscara e usava o cabelo no estilo black power, perguntou qual era a criança mais nova que estava na casa, em seguida, ele entregou um bilhete para Vera Lúcia, e fugiu de lá com Carlinhos, deixando a família trancada no banheiro.
A história aqui fica um pouco complexa, em alguns relatos, Maria Conceição e os filhos só saem do banheiro quando o pai chega em casa. Em outros, eles já se encontram com o pai chegando em casa e todos eles veem o homem em fuga com Carlinhos.
Para você entender bem o cenário, na casa estavam Carlinhos, com dez anos, sua mãe, Maria da Conceição e seus quatro irmãos mais velhos: Vera Lúcia, de 15 anos; Carmen, de 14 anos; Eduardo, de 13 anos e João, com 11 anos.
Além deles, o casal Maria da Conceição Ramirez da Costa e João Melo da Costa tinham mais dois filhos: Roberto, de oito anos, e Luciana, de três, que estavam com o pai.
Os dois filhos mais novos do casal, Roberto e Luciana, estavam com o pai, João, fazendo entregas do pequeno laboratório farmacêutico, chamado Unilabor, que ele tinha. Os relatos aqui ainda soam desencontrados e alguns afirmam que, junto a João e seus dois filhos mais novos, estava também Abel Alves da Silva.
É certeza de que ele estava lá e, por não morar na região e sim em Duque de Caxias, além do fato de ser funcionário do João na empresa farmacêutica.
O que se sabe é que quando João chegou, ele e Abel partiram no encalço do carro em que Carlinhos havia sido levado, seguindo até um matagal que ficava na mesma região.
Eles tentam encontrar Carlinhos e, percebendo que estava difícil a localização, João pede a Abel que busque a polícia para ajudar na busca.
Enquanto isso, Maria Conceição já havia ido até a casa de um vizinho e ligado para a polícia, informando sobre o sequestro, porque a família não tinha telefone em casa.
Pode parecer que as coisas estavam um pouco confusas até aqui, mas se prepare, porque tudo ainda pode piorar bastante.
Em casos assim, é importante entender a linha temporal e como as coisas foram se desdobrando desde o momento do crime.
Quando Abel foi atrás da polícia e informou que o menino havia sido sequestrado, que ele os vira embarcar num táxi Volkswagen vermelho, que estava parado perto da casa de Carlinhos e que o seguiram até o matagal, onde perderam os dois.
A família de Carlinhos que presenciou o ataque disse que não viu o carro parado lá perto, porém, se estavam realmente presos no banheiro, essa é uma questão que seria difícil que eles confirmassem.
A polícia mandou que ele chamasse os bombeiros, que seria o ideal para a busca no matagal.
Aqui vale a gente fazer um adendo: certo, eu chamaria os bombeiros se a criança estivesse perdida, simplesmente, mas a polícia mandar apenas os bombeiros quando foi falado que era um sequestro? Qual o sentido disso?
Quando os bombeiros chegaram, as buscas foram iniciadas no matagal e, além de tudo isso chamar a atenção das pessoas da vizinhança, não demorou para que jornalistas estivessem em todos os cantos investigando e perguntando às pessoas o que tinha acontecido.
Antes de vinte e duas da noite, todos os veículos da imprensa já haviam noticiado o sequestro. E foi só depois dessa comoção estar em andamento que a polícia foi mobilizada e chegou ao local. As buscas no matagal permaneceram até o começo da madrugada e foram retomadas pela manhã.
Nesse ponto, a gente precisa lembrar que o sequestro de uma criança, nessas circunstâncias, era uma novidade para a polícia da época, que não estava acostumada a tratar disso, mas não dá para deixar de lado o fato de que a não faz sentido algum ela ser a última a chegar no local. E não se engane, esse não é o primeiro questionamento que faremos sobre o ocorrido.
A essa altura, quando a polícia chegou ao local, as cenas do crime já estavam contaminadas. Não apenas a casa já havia recebido várias pessoas de fora, da comunidade e jornalistas, como o matagal também já recebera várias e várias pessoas investigando e buscando Carlinhos por elas mesmas.
Como contamos, um bilhete foi entregue para a irmã mais velha de Carlinhos, Vera Lúcia, no momento do sequestro. Esse bilhete passou na mão de deus e o mundo naquela mesma noite e estampou a capa do do jornal O Globo.
O caso de Carlinhos então, noticiado na rádio, tevê e jornais, ganhou proporção nacional, com todo o Brasil acompanhando o desenrolar do caso.
E é exatamente aí que mora um dos principais problemas desse caso, porque em se tratando de um sequestro, não apenas o tempo e a agilidade são importantes, mas também o sigilo.
O bilhete que foi deixado com Vera Lúcia informava as condições para que o resgate de Carlinhos, exigindo uma quantia de cem mil cruzeiros. Nos dias de hoje, é importante ter uma noção da quantia que isso representa, porque a família de Carlinhos não era rica e esse era um valor que eles não possuíam.
Transformando a quantia para reais, a soma até o ano de dois mil e dezessete, é de cerca de trezentos e noventa mil reais. Com as oscilações da moeda, o valor com certeza é, hoje, de quase meio milhão de reais. Ou seja, é muita grana que estava sendo pedida da família!
O bilhete ainda falava as condições e o local em que o dinheiro devia ser deixado, vou reproduzir o texto,
Aviso a você que a criança esta em nosso poder e só entregaremos após ser pago o resgate de cem mil cruzeiros. Esta importância deverá cer em pequeno volume e metido dentro de uma bolsa e deverá cer depositado ensima de uma caixa de cimento que fica situada na Rua Alice cruzando com a Rua Dr. Júlio Otoni, junto a duas placa no dia 4/8/1973 às 02:00 horas, digo duas horas do dia quatro, e lembre si de que qualquer reação a vítima será liquidada. OBS: Depois de ser feito este depósito deverão seguir em direção ao Rio Comprido e esta carta deverá ser devolvida no ato.
Algumas coisas precisam ser destacas sobre o bilhete, primeiro que ele não tinha pontuações adequadas, tinha erros ortográficos e, ao mesmo tempo, mostrava uma precisão e conhecimento da região em que Carlinhos morava.
O local não era distante da casa que ele vivia e ainda por cima, são especificações que se for alguém que não conhece a região, não saberia indicar. Como a questão da localização da caixa de cimento, as placas dos itinerários que ficavam lá e também o pedido para que, quem deixar o dinheiro, deverá seguir na direção do Rio Comprido.
Não havia informações sobre como, onde ou quando Carlinhos seria devolvido depois da entrega do resgate.
Outro ponto que já adiantamos é que a família não tinha esse valor para entregar dali a dois dias, mas como também já falamos, o caso ganhou proporções nacionais e, além de uma linha telefônica ser exclusivamente cedida para tratar do caso, a comunidade se uniu para arrecadar o dinheiro para o resgate.
As informações sobre o valor arrecadado pela família para o resgate, variam, mas ele ultrapassou e muito a quantia que foi pedida pelo sequestrador. Estima-se que a quantia arrecadada pode ser de cerca de trezentos mil cruzeiros. Isso mesmo, o triplo do valor solicitado. E quer saber algo assustador: ninguém faz ideia de para onde é que foi todo esse dinheiro.
Quando pensamos que, se o dinheiro tinha sido levantado, o resgate seria facilitado, a história mostra uma versão bem diferente.
Na madrugada do dia quatro de agosto, por volta das duas horas, João fez o que foi pedido, colocou a bolsa na caixa de concreto que tinha, na verdade, apenas algumas notas de dinheiro por cima de um monte de papel picado, como a polícia o instruíra, e depois seguiu em direção ao Rio Comprido.
O problema é que, além dele, estavam vários policiais à paisana no local e jornalistas e radialistas espalhados por todos os cantos. Os policiais estavam vestidos de pipoqueiros e vendedores de sorvete. Repórteres estavam por todos os cantos e ruas laterais e transversais, esperando um grande furo. Os radialistas estavam transmitindo ao vivo os acontecimentos.
Talvez você esteja rindo do absurdo de tudo isso porque a cena virou um verdadeiro circo! Chega a ser surreal, e parece absurdo atrás de absurdo, além da presença dos civis, o que estaria um pipoqueiro e um vendedor de sorvete estariam fazendo às duas da madrugada, na rua?
Novamente, a gente vê o quanto a polícia não tinha controle real da situação e como não pareciam saber o que fazer.
E como era de se esperar, absolutamente ninguém apareceu para retirar o dinheiro…
–
A essa altura, existiam três delegacias envolvidas na busca e na investigação do caso: a 9ª Delegacia da Polícia Civil, a Delegacia de Roubos e Furtos e a Delegacia de Homicídios. É estranho não só o fato de que três delegacias estavam atuando ao mesmo tempo no caso, como também o envolvimento da Delegacia de Roubos e Furtos e a de Homicídios. Afinal, não havia indício algum de roubo ou furto, e muito menos homicídio, já que nunca encontraram um corpo que fosse comprovadamente de Carlinhos.
As investigações agora mostram caminhos confusos e, quanto mais a gente entende, mais é possível perceber que a polícia não tinha pistas sólidas em qualquer aspecto que fosse. O caso chegou a contar com uma lista enorme de suspeitos. Foram mais de cem pessoas interessadas envolvidas no inquérito policial.
O primeiro suspeito de que se tem notícia no caso de Carlinhos é um dos diretores da clínica que ficava ao lado da casa da família, na Rua Alice, no bairro das Laranjeiras.
Os relatos contam que o médico Mário Filizzola ofereceu sessenta mil cruzeiros pelo imóvel dos Ramires da Costa, que recusaram a oferta, porque não tinham interesse em vender a própria casa.
Aqui vale um adendo que, se a casa da família de Carlinhos valia cerca de sessenta mil cruzeiros, a quantia de cem mil era realmente fora da realidade para a época, mesmo com as oscilações imensas da inflação da época.
Para a polícia, a recusa de vender a casa era motivo o suficiente. O médico arquitetou o sequestro para se vingar ou pressionar a necessidade da família em vender a casa. Mas, sem provas que ligassem Mário ao crime, essa teoria nunca se confirmou.
Outras pistas, que nem sempre sabemos de onde surgiam, levam a pessoas aparentemente ainda mais aleatórias.
Olha, a polícia chegou até a prender um marceneiro que trabalhava numa reforma da clínica de Mário. Ele se chamava Cleber Ramos. Segundo a polícia, Cleber havia sido contratado especificamente para sequestrar Carlinhos.
A questão é que Cléber tinha álibi. Em dois de agosto, data do sequestro, ele saiu da clínica por volta das oito da noite na companhia de três mulheres e seguiu na direção da praça Mauá. De lá, pegou um ônibus para casa, no bairro do Éden.
Cleber chegou a ficar três dias preso até que sua versão da história foi confirmada por uma das mulheres que estavam com ele naquela noite, e então, ele foi solto pela polícia.
Ainda seguindo a ideia de uma relação com a clínica, em dez de agosto a polícia deteve sete pessoas, sendo seis homens e uma mulher, para interrogatório.
Dois dias depois dessa prisão, uma mulher chamada Maria Margarida da Silva, que era secretária de João na farmacêutica e filha dessa mulher presa, confessou ter sido a autora intelectual do sequestro de Carlinhos. É confuso, mas é isso mesmo: a filha da mulher que trabalhava na clínica de Mário Filizola, vizinha à casa dos Ramires da Costa, era a secretária do João, pai do Carlinhos.
Segundo Maria Margarida, ela forneceu o bloco de papel que havia sido usado para escrever o bilhete do sequestro porque precisava de dinheiro para cobrir o desfalque que ela deu na farmacêutica de João.
Porém, como outras histórias que estavam por vir, essa foi desmentida pela polícia. Maria Margarida queria apenas encontrar uma forma de libertar sua mãe, que eventualmente foi solta junto aos outros seis homens que também haviam sido detidos.
Outro suspeito da polícia foi o mecânico José da Silva, que se apresentou na delegacia para explicar que frequentou a casa da família de Carlinhos tempos atrás e que João havia se tornado o avalista dele para a compra de uma televisão.
Porém, a situação financeira ficou ruim e José parou de pagar as parcelas, então sobrou para João, que também se viu em uma situação apertada. José achou melhor esclarecer as coisas para a polícia porque tinha medo de que a família o apontasse como suspeito, por causa do que aconteceu, e isso poderia realmente rolar. Mas, por sorte, Maria Conceição, mãe de Carlinhos, estava na delegacia quando José prestou depoimento e ela mesma disse que ele NÃO era o sequestrador.
Falando em Maria Conceição, ela foi a responsável por apontar um dos prováveis suspeitos, Raimundo Pereira Lulu. Segundo a matriarca da família, ele havia tentado seduzi-la, e, por ela ter impedido os avanços dele, é provável que quisesse se vingar da família.
Depois de ser investigado, Raimundo também foi descartado como suspeito.
No dia seis de agosto do mesmo ano, quatro dias depois do desaparecimento, dois nomes entraram em destaque: Celso Vasconcelos e Francisco de Almeida.
Celso e Francisco eram cunhados e foram detidos porque Celso tinha uma dívida de quinze mil cruzeiros que precisava pagar para João, e que saldou a dívida dando a João um carro, uma Variante amarela, que era de Celso, para suprir o prejuízo. Ambos tinham álibis para o dia do crime e o fato de a questão da dívida tinha acontecido muito meses antes, então era bem sem sentido mantê-los na lista de pessoas de interesse.
–
O outro nome que surgiu no dia seis, não necessariamente um suspeito, foi o de Ildenbrando Martins de Castro, que tinha quarenta e três anos na época e foi até a residência da família de Carlinhos para oferecer um ou dois de seus filhos para substituir o menino sequestrado.
Exato. Ele estava oferecendo um dos filhos dele para aplacar o sofrimento da família. Sem condições, esse caso cada hora aparece uma coisa mais BIZARRA que outra!
Agora, lembra da linha telefônica que foi colocada à disposição para o caso? Por causa dela, a polícia recebeu um número sem igual de trotes e ligações com pistas falsas. Porém, algumas coisas realmente pareciam levar a pistas sobre o caso.
Uma dessas ligações foi de uma pessoa que dizia que uma casa no número mil novecentos e oito da Rua Barão de Petrópolis tinha sido o primeiro cativeiro em que Carlinhos foi mantido.
A pessoa que ligou para a polícia disse que viu um homem seguir na direção do casebre no dia do sequestro, acompanhado de um menino. Essa pessoa chegou, inclusive, a anotar a placa do táxi Opala: TA0206.
O local estava vazio e tinha apenas um pacote de velas, com algumas já usadas. Não havia qualquer evidência que confirmasse que Carlinhos tivesse estado naquele lugar. Mesmo com especificações claras, essa pista também deu em um beco sem saída.
Outra ligação de destaque indicava um novo lugar para que o dinheiro do resgate de Carlinhos fosse entregue. Agora, a bolsa deveria ser deixada em um dos portões do Maracanã.
O problema é que, mais uma vez, armaram tudo do jeito mais absurdo: policiais à paisana que não se misturavam de verdade ao ambiente e a mídia estava presente para todo lado.
Mais uma vez, ninguém apareceu para buscar o dinheiro e nunca mais a polícia recebeu contatos que buscassem combinar a entrega do resgate.
–
Cerca de uma semana depois que Carlinhos foi sequestrado, a polícia prendeu Ademar Augusto de Fraga Filho, conhecido como Capoeira. Ele era ex-agente da polícia judiciária e tinha fama de estelionatário.
O motivo para a prisão seria que Capoeira, que fazia parte de um grupo de contrabandistas, estava cometendo vingança contra a família de João. Os relatos apontam que o dinheiro seria usado para que Capoeira fugisse do país, já que também era procurado e acusado de outros crimes.
Capoeira chegou a ser preso por outras acusações , mas nenhuma relação com o sequestro de Carlinhos foi descoberta.
Seguindo essa linha da investigação, os contrabandistas José Pereira de Brito e Júlio de Carvalho também foram ouvidos. Em sessenta e seis, eles tinham participado de um outro sequestro, também de um menino, só que com motivações políticas. Os dois já estavam presos quando foram interrogados e, novamente, não se estabeleceu nenhuma relação entre eles e o sequestro de Carlinhos.
Nesse meio tempo, a polícia estava ficando sem pistas e a análise grafológica do bilhete do pedido de resgate enfim veio à tona.
O especialista Carlos Éboli revelou que o bilhete havia sido escrito três dias antes do crime e que os erros gramaticais foram propositais, porque, entre outras coisas, a construção do texto não era condizente com os tipos de erros encontrados.
Desses dois detalhes, a gente pode chegar a muitas conclusões. A primeira é que, apesar de ser um crime mal planejado, era, sim, premeditado com antecedência e preparativos foram feitos.
Segundo é o fato de que o bilhete tinha o objetivo de confundir a família e a investigação, então se pergunta: por quê? Era porque a pessoa seria facilmente reconhecida pela família?
Apesar de saber desses fatos, a ausência de pistas ainda estava lá, mostrando o quanto a investigação não tinha para onde caminhar.
Mas foi também nessa hora que a polícia voltou seus olhos para a própria família de Carlinhos.




Basicamente a polícia passou a esmiuçar a vida de João e Maria da Conceição e, claro, alguns dos comportamentos do casal começaram a ser vistos como suspeitos e algumas inconsistências do caso se destacaram.
Um deles é o fato de que a família devia conhecer o sequestrador, porque vários pontos da rotina habitual da casa estavam diferentes no dia do sequestro e vários detalhes não se encaixavam.
O primeiro, que chamou a atenção dos policiais, é o fato de que os três cachorros da família não latiram com a entrada do sequestrador, ainda que estivessem os três bem e alertas.
Além disso, o sequestrador tinha que conhecer a casa, porque encontrou a caixa de luz para desligá-la e ela não ficava em um lugar de fácil visibilidade. Outro detalhe, que foi confirmado pelos filhos de Maria da Conceição, é que ele parecia conhecer bem a casa, porque não teve nenhuma dificuldade em andar por ela mesmo sem luz, com tudo apagado.
Outros pontos também foram destacados, como o fato que a porta da casa não tinha sinais de arrombamento e o portão lateral, que costumava ficar trancado, estava aberto. É por esse portão que deduziram que o sequestrador entrou.
É preciso lembrar que estamos em mil novecentos e setenta e três, e que os julgamentos de caráter e de outras questões estavam nas interpretações dos comportamentos, especialmente em relação à Maria da Conceição.
O primeiro ponto estranho era o fato de que toda quinta-feira Maria da Conceição ia à sessão espírita. Porém, na quinta do sequestro, em específico, ela não foi, sem motivo aparente.
Os jornalistas foram na casa da família mesmo antes da polícia e um relato de um repórter ganhou destaque. Ele conta que, quando entrou na casa, a impressão que ele teve de cara foi de que aquela era uma cena montada.
Primeiro, havia três fotografias do tipo grandes pôsteres que se usavam na época, uma com toda a família, uma com todos os sete filhos e uma que tinha apenas Carlinhos.
Em uma casa com sete filhos, é realmente estranho aos olhos das pessoas de fora essa discrepância de tratamento. Uma das explicações é que Carlinhos era,
“o filho mais bonito”, o que não deixa a questão menos estranha, assim como não justifica a preferência aparente.
O mesmo repórter também narrou, como outros, que esperavam encontrar uma mãe em pânico. Conceição, porém, estava e se manteve calma durante toda a noite. Aliás, chegou até a ver outra novela na televisão enquanto todo mundo se movia pra lá e pra cá.
Também foi muito comentado o fato de que ela estava com sua melhor peruca, se maquiou e se arrumou para prestar o depoimento no dia seguinte ao desaparecimento de Carlinhos. Falavam também que ela estava sempre sorrindo e acenando para as câmeras.
Como eu já adiantei, é muito complexo julgar com base no que se acha que deve ser um comportamento adequado à mãe de uma criança desaparecida.
Mas esses não eram os únicos rumores e fofocas que foram surgindo à medida que a polícia investigava. As pessoas diziam que Conceição era pouco cuidadosa com os filhos e que preferia usar o dinheiro que recebia com bilhetes de loteria e roupas para ela.
Sem embasamento algum e movidos por preconceitos religiosos, os rumores também falaram que ela tinha um caso com um pai de santo local, que nunca havia sido citado em lugar algum, e que ele teria sequestrado Carlinhos e o levado para o Maranhão.
Outros rumores chegavam a dizer que Carlinhos não era filho legítimo de João, e que a mãe tinha uma preferência por ele.
Porém, todas as histórias não levavam apenas à Maria da Conceição, mas também a João Melo da Costa.
João acabou entrando para a lista de suspeitos da polícia porque descobriram que ele tinha envolvimento com negócios que eram, no mínimo, suspeitos. Era como se sua vida estivesse sempre envolvida em dívidas que ele devia ou que alguém devia para ele.
Além disso, João estava falido. Ele precisava de dinheiro e isso parecia ser motivo suficiente para que a polícia o prendesse.
Aqui vamos lembrar o fato de que o dinheiro arrecadado para o resgate foi bem maior do que os cem mil cruzeiros solicitados e não sabemos onde essa grana foi parar.
Um dos boatos dizia que João tinha um caso com a secretária Maria Margarida, e que juntos eles planejaram o sequestro. É a mesma mulher que deu um depoimento na tentativa de inocentar sua mãe.
Porém, uma reviravolta estava por vir: alguém acusa João de ser o mandante do crime.
–
Já estamos em janeiro de mil novecentos e setenta e quatro e Adilson de Oliveira se apresentou à polícia afirmando ser o sequestrador e que João, pai de Carlinhos, é quem tinha armado tudo.
Adilson também contou à polícia que ele jogou o corpo de Carlinhos no mar, a pedido de João.
Pouco tempo depois dessa denúncia, uma ossada foi encontrada na praia da Ilha do Governador, presa por arames, amarrada em um bloco de concreto, e levantou a suspeita de que fosse Carlinhos, já que o local batia com a descrição de Adilson.
Contudo, como várias outras pistas, logo se provou que a confissão de Adilson não era verdade e a ossada também não pertencia a Carlinhos.
As autoridades ainda não tinham pistas e o caso parecia esfriar, até que, sem saber de onde vieram as informações, a polícia anunciou que os culpados pelo crime haviam sido encontrados e os mostraram em uma coletiva de imprensa.
Ranufa da Silva, lavadeira e seu marido, Antônio Costa da Silva, conhecido como Pitoco, trabalharam na casa da família de Carlinhos.
Segundo a polícia, eles haviam sido demitidos depois de uma discussão na casa da família e, por isso, queriam se vingar. Alguns também afirmam que Ranufa tinha um caso com João e que o crime também poderia ter motivação passional.
Na primeira coletiva de imprensa que a polícia os apresentou como culpados, não foi permitido que os jornalistas fizessem perguntas. Um tempo depois, a polícia anunciou à imprensa que iria revelar o cativeiro em que Carlinhos havia sido mantido durante o tempo em que esteve vivo e marcou no local às oito da manhã.
Porém, um dos jornalistas, Domingo Meirelles (que talvez você se lembre de ser o apresentador do Linha Direta), resolveu chegar mais cedo para ver o local antes, então ele e sua equipe chegaram por volta das seis da manhã e olharam o casebre e as redondezas.
Quando a polícia chegou e Domingo pode entrevistar o casal, ele fez diversas perguntas sobre como mantiveram Carlinhos amarrado com correntes e cordas à viga de sustentação do casebre, como eles haviam deixado que ele ficasse no barracão ao lado do casebre, com brinquedos e restos de comida que ele encontrara.
Todas as perguntas foram sendo respondidas, sempre com o casal concordando com tudo. Até que Domingos falou para o delegado,
esse casal está mentindo, mentiram o tempo todo, não existe coluna, não existem cordas ou correntes, nem restos de comida, não tem nenhum brinquedo e muito menos esse barraco do lado do casebre. eu tô satisfeito, agora se os colegas quiserem continuar com a história, o problema é deles.
Esse momento foi decisivo para Ranufa e Pitoco, porque ambos vinham sendo torturados pela polícia há tempos e foram obrigados a confessar o crime.
A repercussão das denúncias de tortura levou ao afastamento do delegado encarregado do caso e o casal foi colocado em liberdade.
–
O caso esfriou e, durante alguns anos, apesar do caso ainda ser relembrado pelas pessoas, a polícia ficou estagnada.
Foi apenas em mil novecentos e setenta e sete que a visibilidade do caso do Carlinhos voltou ao foco, com uma matéria publicada no jornal O Globo, que trazia informações reveladas pelo investigador particular Bechara Jalkh.
Em maio de setenta e sete, a matéria revelava que o pai de Carlinhos havia forjado o sequestro do filho, justamente para conseguir dinheiro para cobrir suas dívidas e falência.
De acordo com as informações que Bechara reuniu, Carlinhos foi levado para Campos dos Goitacazes, no carro do próprio pai, um fusca azul.
Depois dessa matéria, o delegado Gomes Sobrinho, titular da Delegacia de Roubos e Furtos, abriu um inquérito policial.
É, você não entendeu errado, três delegacias da polícia estavam investigando o caso há quatro anos e nenhum inquérito policial foi realmente aberto. É algo muito estranho… pensar que nível de organização existia e quantas informações não devem ter se perdido, não sido documentadas e desencontradas nesse tempo todo.
Nessa época, João e Conceição já estavam separados e Vera Lúcia, a filha mais velha do casal foi à polícia dizer que, na noite do crime, reconheceu Silvio Pereira, que trabalhava para seu pai, como sendo o sequestrador. Vera Lúcia disse que o reconheceu pelo olhar e que ele também tinha um cheiro característico de produtos químicos do laboratório.
Ela também disse que contou isso ao pai na época, e que ele a proibiu de contar isso, porque, do contrário, ele seria preso.
Depois disso, os exames grafotécnicos confirmaram que a letra do bilhete do sequestro era mesmo de Silvio Pereira.
A investigação seguiu então com as acusações contra Silvio, mas sem conseguir conectar o crime à João.
Silvio nunca confessou, mas as acusações o levaram a uma condenação de treze anos, revertida depois de um recurso que concedeu a ele a absolvição do crime, que fora julgado apenas com base em provas circunstanciais.
Todo esse relato da história de Sílvio reforça as teorias que falam que o casal João e Conceição sabiam de muito mais coisas do que realmente contaram, mas que, por medo ou outro motivo, nunca revelaram.
Durante os anos que se seguiram ao sequestro, João tomou para si o trabalho de ir em busca de Carlinhos. Ele partiu em várias peregrinações por várias cidades brasileiras em que se ouviam notícias de Carlinhos. Ele também se consultou com paranormais, médiuns ou outros profissionais que afirmavam ter notícias do menino.
João conseguiu realizar várias campanhas de arrecadação para conseguir continuar nessas viagens e buscas, chegando até mesmo a ir para França para consultar um paranormal.
As buscas nunca resultaram em nada, mas ao longo do tempo vários meninos, adolescentes e homens surgiram afirmando serem Carlinhos. Com o tempo, processos de reconhecimento de maternidade chegaram para Conceição, que conta com a ajuda de um advogado para auxiliá-la gratuitamente nos processos.
Nenhum deles, com exames de DNA, foi confirmado como sendo Carlinhos, mas com um deles, Maria Conceição se manteve em contato desde que o conheceu.
Até dois mil e dezoito, Maria da Conceição morava em uma quitinete, com a filha mais velha, Vera Lúcia, no bairro da Glória, e passou a acusar o ex de estar envolvido no crime.
Já João, aos noventa e dois anos, morava no Andaraí, zona norte do Rio, com a atual esposa. Não encontrei registros nas pesquisas para DEPOIS desse ano.
Esse continua a ser um dos casos mais misteriosos do cenário do crime brasileiro, não existem evidências, suspeitos ligados a provas, cativeiro, corpo, indícios reais de nada.
E, com a cobertura midiática que ele recebeu ao longo do tempo, que manteve tudo tão vivo no imaginário e fazia crianças se preocuparem com a segurança na época, continua a ser emblemático o suficiente como um retrato das falhas do passado.
Roteiro: Lais Menini
Fontes:
Podcast Detetive de Sofá
Canal Crime S/A de Beto Ribeiro em live com Dr. Carlos de Faria https://www.youtube.com/watch?v=4Xu2j3tMoGo