Assassinato ou acidente? Aquele tipo de pergunta que a gente se sente agoniado pra tentar descobrir… Aquela história que a gente já viu ser muito contada nos filmes, mas não imagina que pode ser real. E foi.
No Casos Reais de hoje, o caso Colmenares.
Início do caso
Noite de Halloween. O que para muitas pessoas pode passar despercebido, para os estudantes universitários da Universidad de los Andes era motivo pra comemorar. O dia 31 de outubro sempre foi uma oportunidade para os estudantes deixarem os livros de lado por uma noite e fazerem algumas travessuras. E como toda noite tradicional de Halloween, eles estavam programando uma festa à fantasia.
As comunidades universitárias têm essas festas como uma tradição, então os alunos preparam suas melhores fantasias ao longo do mês pra curtirem a festa do dia 31 de outubro. É realmente um evento mega tradicional para os estudantes, rola toda uma programação!
A festa de Halloween, também conhecida como Dia de Brujas, é um dos eventos mais festejados pelos Colombianos, por incrível que pareça. Apesar de a Colômbia ser um país muito católico, a comemoração encontra muitos adeptos no país. Tudo começou por influência dos Estados Unidos, nos anos 60, como uma prática entre as crianças das elites. Aos poucos o Halloween foi sendo mais popularizado pela Colômbia e, no final dos anos 70, já era uma prática comum, pelo menos nas cidades maiores, como Bogotá. Hoje em dia, a comemoração acontece no país inteiro.
Aquela noite de Halloween, em particular, foi literalmente assustadora, principalmente para a família Colmenares Escobar. Era 31 de outubro de 2010, depois das cinco da manhã. Oneida Escobar recebeu ligações urgentes de vários amigos do seu filho Luis Andrés, de 20 anos, que havia ido para a festa de Haloween da Universidade. Ele era estudante de economia e engenharia industrial.
Os amigos disseram para Oneida que seu filho havia sofrido um acidente, logo depois de saírem de um bar na Zona Rosa de Bogotá, e que ele estava desaparecido no Parque El Virrey. Esse parque é um parque urbano de 10 hectares com ciclovias, calçadões, fontes e áreas de lazer.
Mas que acidente seria esse? O que havia acontecido?
Laura Moreno e Yesi Quintero, colegas de Luis na Universidad de los Andes, foram as últimas pessoas a vê-lo. As duas jovens contaram que conheceram o rapaz naquela noite. Os três, e uma dúzia de outros colegas, curtiram a festa à fantasia em um bar enquanto consumiam uma garrafa de vodka em grupo.
As garotas, quando cintavam a sua versão da história, disseram que saíram do bar por volta das 3h15 da manhã, e Luis estava muito inquieto. Ele foi andando para a rua 85, uma rua próxima de onde eles estavam. Yesi e Laura perceberam que ele estava sozinho foram atrás dele. Ao chegarem, Luis estava esperando um cachorro quente. Elas decidiram chamar um carro para buscá-las, mas Luis começou a correr feito um louco.
Elas deixaram o carro para trás e foram andando em direção à ciclovia, atrás dele. Laura agarrou o rapaz, para que ele não continuasse correndo, mas não conseguiu segurá-lo. Soltou ele e continuou correndo em direção a uma vala, um canal onde passava uma espécie de rio. Até que Laura declara: Luis Andres caiu naquele lugar.
Bom, o seu depoimento coincide com o da Yesi, a menina que estava acompanhando Laura. Ela garante que quando estavam na barraca de cachorro-quente, Laura correu um instante para ver se o carro vinha e ela ficou com Andrés, pegou ele pelo relógio, mas ele quebrou o relógio, jogou o cachorro-quente no chão, e correu para El Virrey. Laura correu atrás dele… Memo, outro amigo, chegou e pegou Yesi lá. Eles ligaram para o celular de Laura e ela atendeu, disse onde estavam,e eles foram atrás. Enquanto conversavam, ela começou a gritar que Andrés havia caído em uma vala.
Desde o início dos acontecimentos e em diferentes depoimentos posteriores, as duas jovens repetiram esta história, que teria acontecido em menos de trinta minutos.
Quando a mãe de Luis Andrés chegou ao parque El Virrey, a polícia e os acompanhantes de seu filho explicaram a ela que os bombeiros já haviam realizado uma busca ao longo do canal que atravessa o parque, mas não o encontraram. Oneida, foi procurá-lo em clínicas e hospitais em toda Bogotá, na esperança de alguém ter encontrado e socorrido o seu filho.
No final da tarde, desesperada e sem nenhuma notícia, a mãe voltou ao parque e pediu que se fizesse uma nova busca no canal. Obviamente ela foi repreendida, como assim, de novo? Não confiava nos bombeiros?
Mesmo a contragosto, repetiram que os bombeiros já tinham feito essa inspeção. Oneida, de forma insistente, avisou que se não o fizessem, ela mesma calçaria as botas e sairia em busca do filho. Por causa da insistência dela, chamaram novamente os bombeiros e entraram na tubulação. Até que finalmente, por volta das nove da noite, encontraram o corpo de Luis Andrés Colmenares. O corpo apareceu com todos os pertences do rapaz. Ele foi encontrado em posição abdominal, ou seja, de bruços.
Bom, o que se imagina numa situação dessas?
Vamos lá. Os bombeiros fizeram uma busca e não encontraram. Depois de muitas horas, eles fizeram a mesma busca pelos mesmos lugares e encontraram. Logicamente, as pessoas pensaram que os bombeiros não tinham feito bem o seu trabalho na primeira busca. Guardem essa informação.
O fato de encontrarem o corpo de Luis acabou concluindo provisoriamente o caso. O rapaz foi sepultado no dia 2 de novembro de 2010, e um detalhe chamou a atenção da prima de Oneida, que participava do velório. De acordo com ela, havia uma menina que estava chorando muito, exageradamente. Parecia até que ela era a dona do velório. Essa menina chegou perto do caixão de Luis e disse: Me perdoe, Luis, me perdoe. O nome dela? Laura Moreno, a amiga que presenciou o acidente.
Depois de sepultado, o caso ficou arquivado em um escritório do Ministério Público em Paloquemão. O que parecia ser o fim da história mudou quando tempos depois, o processo passou para as mãos de outro promotor, que ficou intrigado com a história.
Todos os envolvidos começaram a ser chamados a depor, inclusive os bombeiros que participaram da primeira investigação. Dentre essas pessoas, Yadira Piamonte, bombeira oficial com sete anos de experiência. Ela conta que viajou na máquina com quatro acompanhantes e que, ao chegarem ao El Virrey, se dividiram em dois grupos para busca. Eles percorreram a margem do canal aberto várias vezes usando lanternas de alta potência, e ela mesma desceu até a boca leste do túnel, enquanto o outro grupo fez o mesmo pela boca a oeste: “A profundidade da água não dá mais de vinte centímetros, coloquei o jato da lanterna para oeste e ela brilhou perfeitamente. Do outro lado já estavam meus companheiros e os jatos das lanternas deles encontram a minha, verificando que não havia nada naquele lugar”.
O Ministério Público mostrou, então, as fotos da retirada do corpo e perguntou a ela se tinha feito buscas naquele local. Era um corpo de 1,75 de altura e um peso de 75 quilos. Impossível não o encontrar, caso estivesse lá. “Naquele local direcionei pessoalmente o fluxo de luz com lanternas de alta potência (…), a profundidade da água era de 15 a 20 centímetros e aquele corpo não estava lá; se estivesse lá, teríamos visto “, respondeu a bombeira em um comunicado do dia 2 de setembro de 2011.
Nesse momento, o Corpo de Bombeiros Oficial de Bogotá abriu uma investigação para verificar se houve falhas de seus oficiais nessa operação. No entanto, descobertas científicas acabaram indicando que o relato dos bombeiros parecia verdadeiro.
Os pais de Luis Andrés e o novo promotor do caso, insatisfeitos com as explicações, resolveram investigar minuciosamente. Eles recorreram a Rubén Darío Angulo e Máximo Duque, dois peritos médicos forenses respeitados nacional e internacionalmente, que analisaram as imagens, a autópsia e realizaram uma nova inspeção do cadáver.
Para isso, eles precisaram exumar o corpo de Luis, o que aconteceu na primeira semana de setembro de 2011. As suas conclusões estão registradas em dois relatórios que hoje funcionam como evidência científica no arquivo e nos quais se conclui que Luis não morreu por uma queda acidental no canal.
Para os peritos, o rapaz foi brutalmente assassinado. Seus assassinos bateram em seu rosto com golpes fortes. E o crime não ocorreu no local onde foi encontrado, o corpo foi deixado lá depois de algumas horas.
Os cientistas observaram nas fotos e no laudo da Medicina Legal que o cadáver apresentava “livor mortis” (que são marcas escuras que aparecem quando o sangue não circula mais. Elas aparecem após o cadáver estar há 12 horas em repouso e refletem a posição em que permaneceu).
O cadáver de Luís apresentava livor mortis nas costas e, no entanto, apareceu de bruços. Essa posição também conflita com vários ferimentos que ele tinha no rosto, típicos de um objeto pontiagudo, e se tivessem sido causados ali, não teriam hemorragia porque teriam sido lavados pela água. Tudo isso mostra que Luis não foi morto onde apareceu e que permaneceu com a face para cima em outro local por pelo menos 12 horas antes de ser encontrado.
A inspeção do corpo exumado concordava plenamente com as respostas dessa hipótese. A análise do crânio indicava que a vítima sofreu sete ferimentos violentos, e não um, como havia sido indicado no primeiro laudo que relatou apenas os ferimentos mais evidentes.
Os legistas particulares sustentaram que essa lesão, encontrada em uma depressão oval no osso da testa, “foi causada por um objeto da mesma forma, com alta energia, quando a pessoa estava em movimento”. Mas além das lesões encontradas, faltavam outras que deveriam estar nas vértebras quando alguém sofre uma queda fatal de altura: a cabeça bate no chão e o peso do corpo empurra a coluna em direção à base como um pistão do crânio, causando ferimentos. Mas nada disso apareceu. O promotor na audiência concluiu que Colmenares foi levado, morto e depois seu corpo foi colocado no canal de El Virrey.
O namorado de Laura, Carlos Cárdenas, foi chamado a depor também. Nos registros da polícia, havia algumas ligações para o número dele na noite do crime, realizadas por Laura, levando a crer que ele estava envolvido em tudo o que tinha acontecido.
Por conta disso, a promotoria se mobilizou para prender e acusar as duas estudantes universitárias que viram Luis pela última vez. Laura foi acusada de coautoria indevida em homicídio qualificado e falso testemunho, enquanto Yesi, de acobertamento e falso testemunho.
Mas tanto Laura quanto Yesi se declararam inocentes. “Eu não aceito as acusações. Isso é uma invenção”, disse Laura ao juiz.
Para o Ministério Público, estava cientificamente comprovado que não houve acidente, mas homicídio, e nessa perspectiva, Laura e Yesi eram testemunhas do que realmente aconteceu com Luis Andrés.
O julgamento contra elas começou em abril de 2012. Laura foi investigada por coautoria indevida de homicídio; enquanto Yesi por falso testemunho e ocultação de assassinato.
Laura Moreno e Yesi Quintero receberam uma medida de segurança domiciliar por sua participação na morte de Colmenares, mas em novembro de 2012, as duas alunas foram liberadas após um juiz considerar que não haviam provas suficientes contra elas.
Em 6 de junho de 2012, Carlos Cárdenas, agora ex-namorado de Laura Moreno, foi capturado e indiciado pelos crimes de homicídio doloso agravado como autor do material e falso testemunho. Mas no dia 18 de julho daquele ano ele foi solto porque um juiz revogou a medida de segurança considerando que havia dúvidas nos depoimentos apresentados pelo Ministério Público para solicitar que ele permanecesse preso.
Dois anos depois, um juiz de Bogotá determinou que não havia provas para garantir que Carlos Cárdenas espancou e assassinou Luis Andrés Colmenares e, por esse motivo, decidiu absolvê-lo da acusação de homicídio e do crime de suborno.
Então, em 8 de outubro de 2014, o Tribunal Superior de Bogotá confirmou que Luis Andrés Colmenares foi agredido por terceiros e que posteriormente foi levado até o local onde seu corpo foi encontrado.
Até hoje não há nenhum culpado pelo crime. Os únicos condenados foram três falsas testemunhas que, na época, foram apresentadas pelo Ministério Público como peças-chave para esclarecer os fatos em que o jovem de 20 anos foi morto: Jesús Alberto Martínez, que disse ter testemunhado o espancamento, acabou aceitando que havia mentido e foi condenado a sete anos de prisão. O mesmo destino teve José Wílmer Ayola, que também disse ter testemunhado o crime e acabou com uma pena de oito anos. A terceira testemunha falsa, Johnattan Martínez, foi condenado a quase sete anos.
Qualquer uma das hipóteses desse crime nos leva a respostas difíceis. Afinal de contas, quem é o criminoso nessa história? Por que Luis Andrés Colmenares foi assassinado? Quem levou o corpo até essa vala? Por que a investigação foi arquivada num primeiro momento?
A família de Luis, até hoje, sofre muito com tudo isso que aconteceu. Depois da Netflix anunciar o lançamento da série, em 2019, o pai de Luis deu uma declaração dizendo que não houve autorização prévia deles para a criação da série. Ele disse: “Nosso critério é não concordar em nada que tenha a ver com uma atividade que acabe gerando lucro para qualquer um. Nós não concordamos com isso. Meu filho não morreu para os enriquecer”.
No dia 1º de outubro de 2021, no mês que marcou o 11º aniversário da morte do jovem Luis Andrés Colmenares, o seu pai também publicou uma mensagem através das redes sociais.
“Meu Senhor e meu Deus, você conhece minha vida, minha alma, meus desejos e minhas dores; você sabe quais são minhas dúvidas e minhas forças, mas acima de tudo conhece as dores que trago comigo. Hoje, primeiro de outubro, eu gostaria que fosse 1º de novembro, eu implorei o suficiente quando setembro já tinha acabado, e que este mês não existia. Mas é inexorável e eu tenho que vivê-lo porque é a sua vontade. 11 anos de minha luta e a constante lembrança da injustiça pelo crime de Luis Andrés. Peço-te também pela minha família, por Oneida e Jorge, para que sejas quem reina nos seus corações e que possam encontrar a paz que hoje clamo a ti com esta oração”.
Uma história como essa é difícil de esquecer. Ainda mais pela falta de um desfecho digno que Luis e toda sua família mereciam ter.