Existe a família de sangue e existe a família de coração. Geralmente, a família do coração é tão importante quanto a família de sangue, por se tratar de laços de carinho e de amor que dificilmente são quebrados… ou não.
No Casos Reais de hoje, a história brutal das Irmãs Yoshifusa.
Início do caso
A história que eu vou contar pra vocês, hoje, é uma história cruel, brutal e que nos faz questionar até que ponto nós conhecemos as pessoas que fazem parte da nossa vida.
Os personagens dessa história fazem parte da família Yoshifusa. Essa família era uma família de classe média alta, uma família tradicional, que vivia em Mogi das Cruzes, no Bairro Oliveira, localizado na área nobre da cidade de São Paulo. Eles eram conhecidos por serem boas pessoas e eram muito queridos na região onde moravam por serem solidários e generosos, apesar do status social.
Nelson era dono de uma oficina e Rita vinha de uma família tradicional da região, então ambos tinham uma vida normal, mas com alguns privilégios por conta da situação financeira. Eles eram casados e pais de duas meninas: Renata de Cássia Yoshifusa, de 21 anos, e Roberta Yuri Yoshifusa, de 16 anos. Renata cursava Direito, enquanto Roberta frequentava o ensino médio.
Além da mãe, do pai, e das duas meninas, haviam mais duas pessoas que faziam parte dessa família, Marlene e Antônio Carlos. Marlene trabalhava como doméstica para a família há algum tempo e Antônio Carlos era como se fosse um filho adotivo, uma pessoa que passou a fazer parte da família da maneira mais natural possível.
Casado e pai de duas filhas, Antônio (ou Tartaruga, como era conhecido), começou a trabalhar na casa da família como pintor e realizar alguns reparos. Eles se conheceram quando Tartaruga ainda era adolescente e as meninas eram bebês. A relação entre Nelson, Rita, Tartaruga e as meninas deixou de ser a de um simples prestador de serviços e passou de fato a se tornar uma relação mais forte.
Com o tempo, Tartaruga passava a frequentar diariamente a casa dos Yoshifusa e conviver com a família. Eles comiam juntos, passavam momentos de lazer juntos, se apoiavam, se ajudavam, e essa relação funcionava na base de muita confiança e amor.
Um belo dia, Tartaruga foi até Nelson e Rita e disse que tinha o sonho de cursar uma faculdade, mais precisamente a faculdade de Engenharia Civil, e os dois não mediram esforços para pagar a faculdade de Tartaruga. Afinal de contas, eles queriam que Tartaruga tivesse as mesmas oportunidades que suas filhas, e a faculdade seria uma oportunidade única na vida dele.
Nos últimos meses de 2011, a família estava com alguns planos de se mudar para uma nova casa na região. Não sei se vocês já passaram por isso, mas quando alguém vai vender a casa, antes dela ser aberta para as pessoas fazerem as propostas ou para a imobiliária avaliar, os moradores geralmente fazem algumas pequenas reformas, entre pinturas e reparos, pra agregar um valor maior ao imóvel.
Quando Nelson e Rita decidiram buscar uma outra casa, eles foram aconselhados a fazer isso, e obviamente, Tartatuga foi contratado para realizar todos os serviços de melhoria na casa. É importante dizer que, embora a relação entre eles fosse de intimidade e amizade, Nelson e Rita nunca se aproveitaram disso para pedir algum trabalho pro Tartaruga sem que ele fosse remunerado por isso, mesmo os dois pagando a faculdade dele.
De fato, era um momento feliz na vida daquela família. Eles estavam bem, as filhas estavam bem, a saúde financeira estava boa, não havia com o que se preocupar.
Como eu contei pra vocês, a filha mais velha, Renata, cursava faculdade de Direito. Desde pequena, ela sonhava em ser advogada e, conforme foi crescendo, ela dizia pras pessoas que quando se formasse seria juíza. Assim que entrou pra faculdade, Renata conseguiu um estágio no Fórum da cidade e começou a trabalhar como assistente do juiz.
Ela presidia audiências conciliatórias, era uma menina muito estudiosa e sabia o que queria. Ela sonhava em ser uma juíza e essa paixão fazia com que todos que trabalhavam com ela admirassem esse sonho, mesmo a menina sendo tão nova. Nelson era um pai muito orgulhoso e muito protetor, então ele levava e buscava Renata do estágio todos os dias. A Roberta, filha mais nova, estava prestes a tentar o vestibular, e assim como a irmã mais velha, era uma menina super estudiosa. Nelson e Rita viviam para suas filhas.
No entanto, o dia 11 de novembro de 2011 provou mais uma vez que a vida pode mudar num piscar de olhos, e que a gente nunca sabe o que pode acontecer.
No fim da tarde, Rita saiu de casa para se encontrar com o Nelson numa imobiliária. Eles estavam pesquisando novas casas para morar e se encontrariam para visitar esse imóvel e negociarem o preço de venda da casa que eles já moravam. Rita combinou com Tartaruga o seguinte: que ela sairia de casa, encontraria Nelson na imobiliária e, na volta, levaria Tartaruga para a faculdade. Ele ficaria com as meninas em casa aguardando os dois voltarem.
Marlene, a doméstica que trabalhava para os Yoshifusa, percebeu que, assim que Rita foi embora, Tartaruga passou por ela de um jeito mal-encarado, com expressão fechada. Depois disso, ela viu Tartaruga entrar no computador, que ficava na sala e acessar um site de pornografia. E disse mais: quando ele percebeu que ela estava olhando para a tela do computador, abismada com o que ele estava fazendo, ele não disfarçou e continuou assistindo.
Marlene saiu da sala e continuou fazendo suas coisas pela casa, pois já estava praticamente na hora de ir embora, e assim aconteceu. Terminou o que tinha que fazer e deixou a casa, enquanto Tartaruga continuava no computador.
Algumas horas depois, a notícia que mudaria tudo.
Por volta de umas 20h, Nelson volta para a casa um pouco antes de Rita, que havia parado para abastecer o carro. Quando entrou, viu a cena mais perturbadora de sua vida: Tartaruga estava sentado na escada, coberto de sangue. Tartaruga estava com a voz trêmula e completamente perturbado, Nelson desesperado tentava conversar com ele pra entender o que havia acontecido. Ele disse que tentou ligar para a polícia mas não conseguiu. Depois de alguns segundos, juntou forças e falou para Nelson entrar e ver suas filhas na cozinha. Mas quando chegou, o que Nelson encontrou acabaria perturbando sua mente e seu coração pelo resto da vida. Suas filhas haviam sofrido vários tipos de agressões.
O cômodo estava puro sangue, sangue por todo lado, espalhado pelos móveis e paredes. Era uma tragédia, uma cena de filme de horror, um pesadelo que não teria fim. Tartaruga estava sentado na escada, processando tudo o que estava acontecendo.
Roberta estava nua no chão. Mais adiante estava Renata, também nua em cima da mesa. As duas cobertas de sangue e bem machucadas. Cortes contundentes no pescoço, muitas lesões profundas por todo o corpo das duas meninas. Nelson gritava, numa tentativa de acordar as filhas inconscientes e esfaqueadas, mas nada acontecia. O médico legista claramente afirmava que ali, havia acontecido muito mais do que a agressão física. Era nítido que as meninas também haviam sido estupradas.
Os gritos foram tão altos e tão fortes que acabaram chamando a atenção dos vizinhos. Um deles foi lá entender o que estava acontecendo. Pouco tempo depois, a polícia também chegou ao local.
Ao perguntarem a Tartaruga o que havia acontecido, o rapaz alegou que três sujeitos haviam invadido a casa. Quando percebeu a invasão, Tartaruga tentou confrontar os ladrões, mas foi esfaqueado. Nessa briga, acabaram atacando Renata, que estava na sala. Roberta, por sua vez, assustada pelos barulhos, teria descido a escada e sofrido o mesmo que a sua irmã.
Essa explicação não fazia muito sentido. Ainda que Tartaruga tivesse ferimentos de facada, nenhum vizinho testemunhou a chegada ou saída dos supostos bandidos. Além disso, eles não deram falta de nada dentro da casa. Todas as coisas estavam intactas.
Por conta disso, os investigadores acharam melhor chamar Tartaruga para a delegacia e esclarecer o que havia acontecido, mas dessa vez, como suspeito.
Nesse momento, Tartaruga já havia sido levado à Santa Casa de Misericórdia, um hospital em Mogi das Cruzes, para cuidar dos seus ferimentos. O investigador do caso foi até o hospital atrás de Tartatuga, que defendia sua inocência: era categórico ao negar o envolvimento no crime. Mas mais do que isso: se fechou, não queria falar.
Uma coisa que ficou na cabeça do investigador era que Tartaruga era um homem forte. Como ele estava apenas com alguns ferimentos no braço, enquanto as meninas estavam completamente lesionadas, feridas e machucadas? Ele não tentou defende-las? E caso tentasse, como ele conseguiu sair apenas com aqueles ferimentos leves? Tartaruga praticava luta há anos, então nada daquilo fazia sentido.
A conta não batia.
Tartaruga não poderia ser preso, porque não havia nenhuma confissão. O investigador do caso pediu que o médico segurasse Tartaruga no hospital por algumas horas, pra que ele não tentasse fugir.
Assim foi feito. Às 4h da manhã, o investigador voltou para sua casa, mas estava tão inconformado com tudo aquilo que às 7h da manhã voltou para a delegacia para encontrar com tartaruga, que estava sendo levado diretamente do hospital.
O investigador decidiu então ir atrás dessa confissão. Ele usou de estratégias que pudessem cobrar de Tartaruga os laços de afetividade que ele tinha com a família.
Como uma cartada de mestre, o investigador sentiu que Tartaruga estava quase confessando o crime e falou o seguinte: “Tartaruga, vou ali buscar umas fotos que eu quero que você veja. Eu quero que você veja o presente que você deixou para o Nelson”. Naquele momento, o investigador foi até o lado de fora da sala, coletou as fotos e chamou o juiz e o advogado e mais uma testemunha para entrar com ele.
Ao mostrar as fotos, o investigador disse que chamaria o Nelson até a sala, para conversar com ele. Ele também disse que já haviam apurado os fatos e não havia entrado nenhuma pessoa na casa. Tartaruga começa a chorar muito. O investigador aproveita o momento e faz a pergunta: “Tartaruga, quem matou as meninas?” O criminoso responde: “Fui eu”.
O questionamento das inconsistências da história o levou a confessar os homicídios, mas Tartaruga usou de uma estratégia muito comum naquela situação, dizendo que ele não se lembrava de nada: “Fui à cozinha e tomei meio copo de água e depois tive um apagão”. Mas essa história de esquecimento não se sustentou.
Como vocês sabem que aqui no Casos Reais a gente vai atrás das informações mais verídicas, nós tivemos acesso ao processo escrito. Na verdade, a toda a transcrição do processo. Nessa transcrição, encontramos o depoimento de Tartaruga, dias depois, confessando exatamente o que tinha acontecido naquele terrível 11 de setembro.
Nós adaptamos esse depoimento, é claro, e adaptamos algumas falas que não eram tão claras e montamos uma confissão aqui pra vocês. É importante a gente dizer que, mesmo adaptando algumas coisas, todas as informações principais desse relato foram mantidas, ok? É importante também a gente falar que o que vamos transmitir agora é muito forte e pode gerar gatilho em algumas pessoas. Então, cuidado ao ouvir.
“Eu comecei a passar mal, com início de desmaio. Comentei isso com a Renata, e ela disse: Espera um pouco, meu pai ligou e ele já está chegando. Daí eu levantei, fui até a cozinha para tomar um copo de água. Bebi até a metade e travei; senti meu corpo tremendo, perdi a audição na hora, como se estivesse indo para a praia, descendo a serra. Nisso, fui até a gaveta, peguei uma faca, se me recordo uma Tramontina, com cabo marrom ou preto, e me recordo que eu também estava com um objeto metálico na mão esquerda. Me aproximei da Renata, ela estava sentada no sofá. Fui até próximo dela, parei e voltei para a cozinha de novo; a Renata não me viu nesse momento, acredito que se ela tivesse me visto, ela tinha corrido, porque eu estava com a faca na mão. Ela estava lendo e estava passando o filme Silêncio dos Inocentes. O que eu recordo foi que o primeiro golpe foi com a faca, e depois com o objeto, os dois em sincronia, com uma força descomunal. Ela ela foi caindo para o lado da porta de entrada da sala; e caiu ali entre o braço do sofá, próximo da porta. Eu soltei no chão a faca que estava na minha mão, e fui para a cozinha de novo, peguei a faca de cabo branco e quando voltei próximo da Renata, a Roberta estava parada embaixo da escada, no último patamar. Me dirigi para a Roberta e foi a mesma mecânica; a Roberta estava em frente ao computador, próximo da escada. Nisso, com a faca na mão, fui para cima da Roberta e a mecânica foi a mesma, facada e pancada e golpes; aí, a Roberta caiu, porque os golpes foram no pescoço. A primeira a ser arrastada foi a Roberta, ela caiu praticamente na cozinha, só arrastei ali até certo ponto; aí, peguei a Renata e arrastei até o meio da sala, peguei ela no colo e coloquei ela em cima da mesa. Fiquei olhando na tela que dá acesso para a câmera da casa, do lado de fora, por um bom tempo. Depois, come cei em ato de desespero, cortei muito rápido a roupa da Renata, abaixei os shorts da Roberta até o joelho. Na hora que rasgava a roupa, não olhava para a Renata. Nem quando baixei a bermuda da Roberta olhei para ela. Meia hora se passou, fui até o banheiro que fica próximo da entrada da casa, aí encostei a porta e comecei a me autolesionar; o primeiro corte foi na região do braço esquerdo e a faca estava na mão direita e entraram mais uns dois cortes que já sumiram; depois lesionei a mão direita, na região dos dedos. Aí não sei se escorreguei no meu sangue ou desmaiei, mas acordei dentro do banheiro”.
Eu vou tocar num assunto agora que é muito delicado, mas eu preciso dizer pra vocês porque é importante. Vocês lembram que, no relatório do IML, constava que as suas duas meninas tinham lesões na vagina, certo? Dias depois, de acordo com a Dra. Vera Borba, a ginecologista delas, os investigadores ficaram sabendo que as duas meninas eram virgens. Ou seja, foi um trauma muito grande.
O médico legista Zeno Morrone apontou que as lesões ocorreram em vida, mas disse que não foi possível concluir se houve violência sexual ainda em vida ou depois de assassinadas. De qualquer forma, ele confirmou que houve a prática de atos libidinosos, de cunho sexual, que também implicam na prática de estupro.
Tartaruga foi a júri popular no dia 14 de agosto de 2014. Foi determinado que ele era culpado de todos os crimes e condenado a 57 anos de prisão.
Porém, não sei se vocês sabem, mas no Brasil, na época do crime, a pessoa condenada não podia passar mais que 30 anos dentro da prisão. E mais, no caso de Tartaruga, se ele se comportasse bem, a pena poderia ser reduzida para 1/6.
Nelson e Rita saíram de Mogi das Cruzes e foram morar no Nordeste do país. Vivem à base de calmantes e antidepressivos, e obviamente jamais superaram a morte das filhas. Dizem que a dor ameniza com o tempo, mas para os dois, não amenizou nada. Em sua página no Facebook, a mãe das meninas expôs a revolta com essa tragédia: “Eu criei, alimentei meu pior inimigo, essa ameba humana acabou com todos os sonhos da minha família”.
Ainda, na sua página, também é possível notar o termo Tinkermãe e Tinkerzinhas. Era esse apelido carinhoso que mãe e filhas se tratavam, em referência ao desenho Tinker Bell, a Fada Sininho de Walt Disney. Pouco tempo depois do crime, a mãe das meninas fez três tatuagens de fadas em homenagem à memória das filhas.
Fim do caso
Uma história como essa é brutal. É o tipo de história que fica em nossa cabeça por gerar milhões de dúvidas. Será que Tartaruga tinha sentimentos libidinosos escondidos pelas meninas? Afinal de contas, ele era uma pessoa boa e se tornou um homem perverso, ou ele sempre escondeu essa face da família que o adotou com todo amor e carinho por aqueles anos? Quem era de fato o Tartaruga?