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Em todo caso de crime a gente fala que, quando alguém MATA, essa pessoa não está destruindo só a vida da pessoa que morre, mas de toda a família, e os amigos, da pessoa que morre. O caso Flordelis é um exemplo GRÁFICO de destruição da família. Uma decisão, a de assassinar UM homem, destruiu o futuro e as esperanças de mais de CINQUENTA outras pessoas que dependiam diretamente de quem mandou MATAR.

E é por isso que Flordelis é um dos casos reais brasileiros mais icônicos de todos os tempos.

Um filme biográfico, dois documentários no ar em serviços de streaming e um livro contam a trajetória da família Flordelis, nome da mulher que adotou mais de quarenta filhos na década de noventa e criou, junto ao marido Anderson do Carmo, um império em torno da atividade de pregação cristã.

Por fora, ainda que fosse bastante numerosa, essa parecia ser uma daquelas famílias de margarina, que superaram as dificuldades da pobreza e do racismo para salvar toda uma comunidade de pessoas e, de formas cada vez mais emblemáticas, continuar este projeto de salvação.

Flor-de-lis foi diplomada em dois mil e dezoito como deputada federal pelo Rio de Janeiro, segurando a bandeira da família, dos valores cristãos e das causas comunitárias, com quase duzentos mil votos, e em seu discurso de diplomação agradeceu o apoio do marido, Anderson, cuja ausência impossibilitaria tamanho sucesso. E não apenas da eleição, em si, mas do estrelato da pastora, que lançou músicas, viajou o país inteiro e criou uma legião de novos fiéis a partir da própria palavra.

Só que esse castelo, que muitos, hoje, veem que era de AREIA, começou a ruir quando Anderson, DEZESSEIS ANOS mais novo que Flordelis e responsável por sua carreira artística e política, foi assassinado na porta de casa, em junho de dois mil e dezenove.

O dia de sua morte deu início a uma espécie de dominó de eventos que acabaram por revelar em Flordelis uma mulher de mente diabólica e manipuladora que possivelmente fez vista grossa para os abusos cometidos pela vítima em nome das aparências para que o casal perfeito da comunidade evangélica continuasse a ter seu prestígio e dinheiro – que, segundo a própria Flordelis, chegava a faturamentos milionários, em alguns meses. Revela, também, uma trama criminosa envolvendo filhos biológicos, adotivos, netos e a potencial utilização da imunidade parlamentar para se livrar de qualquer suspeição em um crime perfeito. 

Talvez faltasse à família Flordelis algumas maratonas de crimes reais, porque uma coisa que a gente já aprendeu, a essa altura dos eventos, é que não existe CRIME PERFEITO, e que mesmo as mentes mais perversas e psicopatas podem e, certamente vão, cometer erros.

Mas, como eu sempre gosto de falar, vamos começar do começo, até para tentar entender o grande pulo do gato dessa história: se com Anderson as coisas poderiam estar ruins, e se sem ele poderiam escalar até o ponto em que chegaram… POR QUE Flordelis mandou matá-lo?

Essa história é grande, cheia de vai-e-vens, com inúmeros materiais sobre o assunto, então, para que a gente entenda direitinho como tudo se desenrolou, vou tentar fazer uma cronologia dos fatos.

Na década de noventa, a história de Flordelis dos Santos de Souza se tornou bem pública. Ela começou a ser pauta de programas de TV como a mulher que acolhia crianças e adolescentes em situação de rua dentro da própria casa. Ela contava, nessas entrevistas, que, como moradora da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, começou a se aproximar de deus cada vez mais e se sentia um instrumento dele para fazer a diferença.

Sendo assim, ela comprou um fliperama, colocou dentro de casa e convidava a garotada para ir até lá. Nessas ocasiões, ela falava com os jovens sobre deus e tudo o mais e foi fazendo a cabeça de vários adolescentes. No discurso, ela era a enviada de deus e eles, seus seguidores, eram os anjos escolhidos para que ela pudesse melhorar o mundo. Já nessa época alguns adolescentes meio que abandonaram suas famílias para seguir a pregadora.

Com os jovens que se aproximavam pelo videogame e a criançada que chegava da situação de rua, Flordelis criou uma comunidade dentro de sua própria casa. Chegou a ter, em certo momento, cerca de CINQUENTA FILHOS, sendo que apenas três eram biológicos.

Um dos membros dessa família era Anderson do Carmo, que chegou bem jovem à casa, na condição de filho adotivo de Flordelis. Também morador do Jacarezinho, ele era dezesseis anos mais novo que ela e deixou a família para viver na comunidade e ajudar a “mãe” com os cuidados dos mais novos. Assumindo uma posição clara de liderança, ele propôs casamento à pastora e, como um casal, ele a ajudou a consolidar sua carreira, que cresceu cada vez mais desde os tempos do fliperama.

Ainda na década de noventa, Flordelis criou o Ministério Flordelis, uma igreja cristã própria, onde também cantava, e deu os primeiros passos para o que mais tarde seria uma carreira de cantora gospel de sucesso, inclusive internacional. Anderson estava sempre ali, ao lado, fazendo o gerenciamento de sua agenda e se tornando, ele próprio, pastor.

Com as aparições na TV e a fama de acolhedora crescendo entre comunidades, principalmente as do Rio de Janeiro, Flordelis conseguiu um galpão para montar sua igreja, e nos melhores momentos da instituição os cultos recebiam cerca de mil e quinhentas pessoas. 

Flordelis tinha filhos de casamentos anteriores, Adriano, Flavio e Simone, quando se casou com Anderson, já no fim dos anos noventa. Ela conta que Flavio não gostou nada dessa coisa de a mãe sair pegando crianças na rua e colocando dentro de casa. A pôs na parede: eles ou eu. Ela se disse incapacitada de fazer essa escolha e ele, então, foi morar com a avó, retornando algum tempo depois, já no caminho para a conversão e trabalhando como membro do ministério.

Dizem que Simone já teve um relacionamento com Anderson ANTES de ele se casar com sua mãe, quando ainda era um jovem adotado pela família, já que eles regulam idade e tal. Ela até confirma isso, mas nada de muito concreto se sabe do período anterior ao casamento de sua mãe com seu então padrasto.

Juntos, Anderson e Flordelis alegaram ter UM filho biológico, Daniel, e a família seguiu esse modelo nada convencional de crescimento pelos anos dois mil, crescendo cada vez mais e assumindo novas adoções, ainda que elas não fossem legalmente válidas, digamos assim. As crianças e adolescentes chegavam e o casal os acolhia, mesmo sem saber a procedência dos jovens, o que para muitos já era visto, naquela época, como SEQUESTRO.

Mas, sem reclamações judiciais relevantes, Flordelis seguiu pela segunda década do ano dois mil fazendo seus acolhimentos e adoções e crescendo MUITO como líder religiosa no meio cristão. Em dois mil e dezoito, conseguiu se eleger com quase duzentos mil votos deputada federal pelo Rio de Janeiro, sob a bandeira da adoção e dos valores familiares. Pelo partido e por seu histórico geral, se aliou ao presidente eleito na época, Jair Bolsonaro, e conseguiu um trânsito importante entre os grandes nomes da política de Brasília, como amizades dentro da própria família do presidente, além de conversas muito próximas com os presidentes da câmara, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, e membros influentes do senado.

Mas o mandato de Flordelis não era só dela, como dizem pessoas que conviviam com ela em Brasília: desde o primeiro momento ela dizia que só participaria daquela vida pública caso Anderson pudesse estar sempre com ela, o que fez com que ele ganhasse um crachá de acesso ao plenário da Câmara e mantivesse relações políticas e de amizade com a grande maioria dos deputados. Jornalistas e assessores dizem, em documentários e matérias sobre o caso, que Anderson tinha o jogo de cintura político, colocava Flordelis nas melhores rodas, e ela fazia exatamente como ele indicava que fizesse.

Isso tornou a participação da deputada até um pouco machista, já que o que parecia a todos era que ELE era o deputado, enquanto ela, a diplomada, fazia as vezes de boa esposa, sempre submissa ao marido. E o mais interessante é que, em apenas seis meses de mandato da esposa, Anderson ajudou Flordelis a ter uma projeção incrível. 

Talvez, com ele, ela tivesse ido até MAIS longe, mas não deu tempo. Em dezesseis de junho de dois mil e dezenove, Anderson é baleado e morto na porta de casa, no Rio de Janeiro.

Com esse breve resumo, é aqui que nossa história começa.

Há pessoas que morrem e viram santas para a opinião pública, outras são marcadas pelo desprezo de quem não merece essa consideração, e o pastor Anderson do Carmo, então com quarenta e dois anos, experimentou em morte um pouco de cada lado.

Imediatamente vieram ao socorro de sua imagem pessoas que diziam que ele era um homem bom, marido impecável, pastor incrível, cheio de amor a dar. A própria Flordelis o descreveu assim durante o enterro e após, nas entrevistas sofridas da mulher que perde o grande amor de sua vida. 

Seu filho biológico, Daniel, também dizia isso, e a ligação que ele fez para o SAMU, ao descobrir que o pai foi baleado, demonstra o desespero genuíno de quem está em uma situação semelhante.

Outros filhos, adotivos ou biológicos, de Flordelis, não pareciam tão abalados ou tristes pela morte do pastor, e mais tarde a polícia veio a receber denúncias de que Anderson era abusivo, molestava as jovens da casa, incluindo uma neta biológica de Flordelis, e que sua personalidade, muito controladora, não era bem vista pelos membros de sua comunidade.

Um deles, no entanto, não diz nem que ele era santo nem diabólico, mas atesta que, desde o primeiro momento, quando chegou ao hospital, percebeu que algo estava muito fora de lugar nessa história. Era o Wagner Andrade, filho adotivo que foi rebatizado pela pastora como Misael e atraído ainda garoto para a família Flordelis como um de seus anjos, por isso o nome.

Ele alega que sabia, sim, que o casal passava por dificuldades, e que até sugeriu à mãe se separar, o que é IMPENSÁVEL no meio cristão, principalmente entre lideranças religiosas, e que ela disse que não era possível. Então, quando a viu no hospital, entendeu, pelos anos de convivência com Flordelis, que ela estava ATUANDO seus sentimentos. Fingindo o desespero e o choro.

O pastor Anderson foi baleado na madrugada de domingo, e logo na manhã do mesmo dia Wagner, que vamos chamar aqui de Misael, procurou a polícia para dar sua versão dos fatos.

Outra pessoa que sentiu algo errado na conduta da mãe foi Daniel, o filho biológico, que fala com tristeza de vê-la fingindo o choro no enterro do pai… e esses dois seriam apenas os primeiros a duvidar de que Flordelis estava realmente SOFRENDO com tudo aquilo.

A notícia da morte de Anderson causou comoção no meio político e religioso, o que fez com que seu velório e enterro estivessem LOTADOS. Foi logo após essa cerimônia que, tentando ser bem discreta, a polícia leva preso Flávio, o filho biológico da pastora, para completa surpresa de todo mundo presente.

Ele é levado à delegacia porque existia uma ordem de prisão contra ele, por violência doméstica, mas os policiais vão ficar sabendo, nos próximos dias, que ele seria preso por OUTRO motivo: ser réu confesso do assassinato de Anderson do Carmo.

Flordelis

Mas, peraí. Prometi cronologia, né? Então, vamos lá. 

Em dois mil e dezoito, no segundo semestre, Anderson chegou a ir parar no hospital SEIS vezes, com sintomas como vômitos e diarreias, típicos de uma gastroenterite. Os exames, no entanto, não concluíam a mesma coisa, e ele acreditava que estava ansioso, nervoso, e por isso os episódios de passar mal. A gente lembra que nessa época era justamente a reta final da campanha política, e quem trabalha com isso sabe que os nervos ficam à flor da pele.

Então, a princípio, ele não deu muita importância ao fato. Ninguém deu, na verdade. Até que outras pessoas, por engano ou de propósito, pegavam algo da geladeira DELE, ou tomavam um pouco de suco que era pra ele, sem querer, e acabavam se sentindo meio mal, também.

Anderson chegou a relatar para a mãe biológica, Maria Edna, que tudo o que comia, em casa ou na igreja, o fazia passar mal, e a mãe sugeriu que procurasse um médico para tratar o que quer que fosse. Mas ela também ficou com uma pulguinha atrás da orelha…

Em uma das ocasiões, uma das filhas adotivas viu a irmã Marzy, também adotiva, colocar uma espécie de pó branco na bebida que levaria para Anderson junto com o almoço. Ela chegou a ser alertada de que, se ele visse isso, a arrebentaria, mas ela não ligou. Disse, abre aspas, pela mãe eu faço tudo, até ser presa, fecha aspas, e seguiu com a bebida adulterada até Anderson.

Essa informação, no entanto, só veio à tona mais tarde, quando as investigações estavam a todo vapor e também revelaram buscas na internet feitas por Marzy e Simone, a filha biológica, aos termos CIANETO, ENVENENAMENTO e ENVENENAMENTO ACIDENTAL, dentre outros.

Um dos relatos colhidos pela polícia revela, também, que Simone chegou a confessar a um parente que estava envenenando Anderson aos poucos, mas que ele era, abre aspas, ruim de morrer, fecha aspas.

Em certo momento, parecia que todos sabiam dessa situação, já que Carlos, um dos filhos adotivos, diz a Misael algo desse tipo. Ele alerta o irmão a não comer nada na casa ou na igreja porque, abre aspas, estão tentando matar o pastor, fecha aspas.

Há indícios de que A PRÓPRIA VÍTIMA soubesse de tudo, porque encontrou o rascunho de uma carta que Marzy enviaria para Lucas, outro filho adotivo, que não morava na casa e do qual o pastor NÃO gostava, combinando a morte de Anderson. Ele também confessou a Misael saber de tudo. Contudo, nada parece mudar: Anderson não prestou nenhuma queixa e continuou o relacionamento com Flordelis e seus filhos, como se nada tivesse acontecido.

Corta para o dia dezesseis de junho de dois mil e dezenove, quando, depois de uma noite a dois, Anderson e Flordelis chegam em casa, de madrugada. Ela alega que ele esquece algo no carro e, enquanto ela sobe as escadas, diz a ele, abre aspas,

Carinha, fecha o portão, fecha aspas,

E vai conversar com um dos filhos, no quarto, quando escuta os barulhos de tiro e o fuzuê começa. As pessoas correm pra lá e pra cá e ela percebe que Anderson não vai a seu encontro, o que é esquisito. Diante de uma coisa dessas, a primeira pessoa que ele iria checar seria ela. Então, é assim que Flordelis diz cair sua ficha de que os tiros foram dados EM Anderson.

Em meio ao pandemônio, ligações para SAMU e polícia, Daniel sugere levar Anderson ao hospital. Ele está visivelmente abalado, então seu irmão biológico Flávio coloca Anderson no banco de trás do veículo e, junto a Daniel, eles dão entrada no hospital, onde a equipe médica constata o ÓBITO.

No dia seguinte, quando as investigações começam, os policiais se frustram porque o corpo foi removido do local e, aparentemente, algumas cápsulas dos tiros também. Na análise das câmeras de segurança eles veem, pouco antes da ocorrência dos tiros, um homem descer correndo de um carro com uma mochila e identificam este homem como sendo LUCAS, um dos filhos adotivos do casal.

Lucas tinha dezoito anos e já não morava na casa. Tinha muitos desentendimentos com o pastor porque queria levar uma vida que Anderson não aceitava, com ligação à bocas de fumo. Ao ser intimado para depor e explicar o que estava fazendo na rua da casa de Flordelis, com uma mochila, minutos antes do acontecido, sua primeira versão é de que foi LEVAR ROUPA PRA LAVAR.

De madrugada, mesmo. 

Não colou, né? E, perguntando mais e mais, ele solta o que, até então, seria a verdade: ele foi levar uma arma para Flávio, o filho biológico de Flordelis. Aí, Flavio, que a essa altura já estava preso pelo mandado de violência doméstica, dá uma versão conflitante, o que induz a polícia a fazer uma acareação entre os dois, ou seja, botar os dois lado a lado pra tentar ver quem está mentindo.

Lucas dá a versão da arma e Flávio concorda, dizendo que pediu a Lucas uma arma para proteger a família de… LUCAS.

Ué, mas se a intenção dele é proteger a família do, aspas, filho problema, ele iria pedir JUSTAMENTE a ele ajuda para comprá-la? Se a história de Lucas, da roupa pra lavar, não colou, a de Flávio muito menos. Só que ele vai sustentando umas desculpas e outras até que, DO NADA, ele confessa ter atirado em Anderson.

Essa acareação foi gravada e a reação de Lucas é de muita surpresa. Ele já não mais nega que esteve ali, que deu uma arma a Anderson e que provavelmente sabia o que tinha rolado, mas fica muito de cara ao ver o irmão confessar. 

Aí, a prisão de Flavio por violência doméstica se transforma em preventiva por assassinato e Lucas também vai preso, pela arma e por infrações anteriores, menores, das quais ele estava foragido.

É nessa parte da história, quando Flavio fala que MATOU Anderson, que o caldo entorna pra todo mundo. Até então, as suspeitas pairavam por ali, mas agora a polícia tinha como certo de que esse crime não é um assalto frustrado ou de fundo político, mas algo FAMILIAR.

O problema: começar as investigações em uma família que tem, literalmente, CINQUENTA pessoas.

Misael foi à delegacia dizer que Anderson desconfiava que estavam tentando matar o pastor e que a mandante intelectual deste crime era sua mãe, Flordelis, e é um dos únicos da família que sustentam o bom caráter do pai. Depois que a pastora foi tomada como uma potencial assassina, o que não faltaram foram denúncias de assédio e violência sexual por parte de Anderson.

Não me entenda mal, eu JAMAIS vou duvidar da vítima, mas é no mínimo estranho que as conversas sobre isso não tenham sido públicas até esse fato. Tudo bem, a família tinha que manter a fachada e tudo o mais, mas se Flordelis matou o marido com raiva de coisas que ele fazia às suas filhas, não justificaria, mas daria um motivo para sua ação. Inclusive, em momentos de raiva, as coisas podem acontecer de repente, sem aviso.

E não foi o caso. Lembre-se que eles saíram para passear e namorar, só os dois, e que ela estava apaixonadíssima por ele e ele por ela, como conta noventa por cento da família. Então, beleza, o Misael disse ali que Flordelis era a mandante, mas isso não a transformava em mandante. Era preciso investigar a fundo.

Aí entra a questão da imunidade parlamentar como deputada federal. Não é que um político não possa ser preso por cometer um crime, mas não pode ser investigado como um civil normal, é quase como se não pudesse passar por esse constrangimento. A Câmara dos Deputados, então, se viu pressionada a cassar o mandato dela para que as investigações corressem sem as limitações do foro privilegiado, o que de fato aconteceu. Em dois mil e vinte, um ano depois de ser diplomada deputada pelo Rio de Janeiro, Flordelis perdeu sua prerrogativa parlamentar. 

A notícia foi dada ao vivo, na TV, porque a sessão estava sendo transmitida por vários canais. Assim que o resultado saiu, um dos promotores, que já tinha o pedido de prisão redigido, mandou para um juiz que o expediu. Nesse momento, toda a vida de Flordelis iria mudar. E para muito pior.

Para que a gente não se perca, vou fazer um breve resumo do que as investigações ANTES e DEPOIS da cassação mostraram. A primeira era que o crime realmente foi premeditado. Ou seja, não foi um momento de raiva, de Anderson ou de ninguém. Uma das provas circunstanciais de que Anderson sabia o que era pra fazer foi uma mensagem da própria Flordelis à Marzy, assim que chegou em casa, pedindo que a filha a acordasse às oito. 

A polícia interpretou essa mensagem como um código, tipo PRONTO PODE COMEÇAR, JÁ CHEGUEI. Nisso, Marzy teria dito a Lucas que Anderson estava em casa, o que o fez correr para entregar a arma a Flávio.

O celular da ex-deputada tinha mensagens em que ela parece pedir ajuda a alguns filhos para, aspas, acabar logo com isso, tirar esse traste do nosso meio, fecha aspas. Uma das conversas mais famosas é a que teve com Marzy, antes do assassinato, em que a filha diz a ela que se separe do pastor, coisa que Flordelis nega porque, abre aspas, NÃO QUERO ESCANDALIZAR O NOME DE DEUS, fecha aspas.

As buscas de Simone por cianeto, na internet, foram justificadas de duas formas. Primeiro ela disse que estava pesquisando porque gostava de programas de investigação criminal e ficou curiosa. Depois, que sua amiga tinha um cachorro doente e que, para que não o matasse a pauladas, elas dariam a ele veneno.

Já as de Marzy eram um pouco menos específicas e, de certa forma, até ingênuas. Ela procurava por termos como GENTE DA PESADA, BANDIDO BARRA PESADA NO RIO DE JANEIRO, COMO CONTRATAR GENTE BARRA PESADA, essas coisas.

Enquanto essas investigações estão em curso, cerca de três meses depois da morte de Anderson, Lucas envia, da cadeia, uma carta à Flordelis dizendo que ele não fez nada, ele não fez isso, atribuindo toda a culpa e a motivação intelectual do crime a Misael. Ele prometeu uma vida boa caso Lucas desse um SUSTO em Anderson.

Sim, o Misael que foi lá falar na delegacia que tinha dedo da Flordelis nesse angu. 

O mundo fica sabendo da carta por nada menos que uma matéria no Fantástico, onde Flordelis a lê com exclusividade. Ela afirma que recebeu o material da esposa de um preso, há dez dias atrás, ou cinco dias atrás, ou três dias atrás, OU SEJA. Quando, mulher? Pelo amor de deus.

Isso ocorre um dia depois de Lucas se recusar a participar da reprodução simulada do dia do crime, na casa da família, coisa que ele já tinha concordado em fazer.

Isso deixa a investigadora Bárbara Lomba muito brava, porque ela já tinha conhecimento de todo esse rolê da carta, mas ela não seria a única a subir nas tamancas por conta disso. Quando sai a notícia de que a carta de Lucas inocenta a pastora, e Flávio, e culpa uma outra pessoa, alguém aqui fora se dá conta de que algo continua MUITO errado nessa história. O nome dela é Regiane Rabello, e ela é ex-patroa de Lucas, de quando ele trabalhava em uma oficina. Ela afirma, categoricamente, que não tinha como Lucas escrever aquela carta – e culpa Flordelis por obrigá-lo a fazer isso.

Motivos: ele não sabia fazer uma redação direito, ele tinha feito só até a quarta série, parou de estudar, e de repente escreve da prisão uma carta gigantesca e até muito bem escrita. Até mesmo alguns dos irmãos adotivos de Lucas saem em defesa dele afirmando que ele JAMAIS escreveria algo daquele tipo simplesmente porque ele não gostava e não sabia escrever direito. 

E, em depoimento à polícia, ele diz, afinal, que escreveu o que tinham pedido para que ele escrevesse, e que as instruções vieram escritas para ele copiar tintim por tintim. Ao ser questionado sobre a letra de quem mandou as instruções pra ele, Lucas é categórico em dizer, abre aspas,

É A LETRA DA MINHA MÃE, fecha aspas.

Carta oficial

A história das idas e vindas dessas cartas envolve Andreia Maia, esposa de um dos presos, Marcos Siqueira, que trabalhava como faxineiro da prisão e facilitou essa comunicação entre a então deputada e seus filhos. Segura esse nome que logo mais ele volta. Ela, então, diz que quem fazia o transporte das coisas que Flordelis mandava à prisão através dela era ADRIANO, também filho biológico da pastora, e responsável, segundo as mensagens, para manter a comunicação entre os filhos presos, ela e o advogado.

Para Regiane Rabello, que diz ter Lucas como filho e entra na história justamente nesse momento da carta, a família Flordelis era uma mentira, algo projetado apenas para fazer fortuna, em que a elite da casa não trabalhava e os adotados eram tidos como escravos da rainha. Regiane aceita depor a favor de Lucas no julgamento, esperando finalmente poder revelar a mentira que a família era para ela, e dias depois tem uma BOMBA jogada dentro da sua casa.

Ninguém se feriu, mas a mídia cobriu e, se não tava bom pra pastora, agora ficou ainda pior. Será que ela estava tentando MATAR a testemunha? Alguém queria intimidá-la?

Enquanto o mundo caía, Flordelis estava rumo à prisão preventiva e tentou se preparar para ela. Tirou o aplique, pintou os cabelos, tirou as lentes de contato. Ela utilizava todos os recursos de que dispunha para dizer que era inocente, que não mandou matar o marido e que o amava muito, e sustentou esse discurso até quando a imprensa descobriu que, nem bem o defunto esfriou, como o povo diz, ela já estava de novo amor. 

Allan Soares, produtor musical, é trinta e seis anos mais novo que Flordelis, e o coitado deu um fora atrás do outro. Primeiro, publicou um status no WhatsApp com a foto dos dois, depois mudou a descrição do Instagram dizendo estar NOIVO, e a mídia só juntando as pecinhas para acabar com esse conto de fadas. 

A história toda que já estava, assim, um verdadeiro caos para a ex-deputada, acabou ficando AINDA PIOR quando descobriu-se esse namorado e que era possível que o relacionamento antecedesse à morte de Anderson. Ou seja, querendo ou não, mais um motivo para mexer os pauzinhos e acelerar sua condição de viúva. Assim, poderia seguir em frente com outra pessoa e ainda ser respeitada no meio evangélico. 

Só que todas as pessoas que testemunharam contra Flordelis disseram não ter nada a ver com amor ou com paixões, mas com DINHEIRO. Com PODER. Ela queria se livrar de Anderson não porque ele era abusivo, violentava as meninas da casa ou era um mau marido, mas porque ele controlava as finanças, os faturamentos, ela não tinha acesso e queria que isso acabasse.

Para a promotoria, essa era a motivação por trás do crime: poder. O caso sustentado pela acusação era de que ela buscou ajuda dos filhos biológicos e adotivos para exterminar o marido, utilizando sua condição de deputada federal e o discurso da violência já muito presente no Rio de Janeiro para fazer deste um caso de latrocínio.

No caso, foram acusados ela, como mandante intelectual, o filho biológico Flávio, como a pessoa que efetuou os disparos contra Anderson, Lucas, o filho adotivo que viabilizou a arma do crime, Marzy e André, outro filho adotivo, por possível associação criminosa quanto aos pedidos de ajuda de Flordelis, e Simone dos Santos, filha biológica, por tentativa de homicídio por envenenamento. Ela também se considerava a mandante intelectual do crime, inocentando sua mãe, pela alegação de que ela e sua filha eram constantemente violentadas por Anderson.

Rayane dos Santos, neta biológica de Flordelis, também foi acusada de envolvimento no caso, bem como Andreia Maia, aquela esposa de preso que fazia o leva-e-trás das informações, por falsificação de documentos, já que a promotoria entendia que Lucas estava falando a verdade e que, sim, recebeu instruções de confissão e acusação de Misael vindas de Flordelis.

Flordelis e seus filhos adotivos

Essa história dá tantas voltas e tem tantas nuances, tantos detalhes, tantas PESSOAS, que é muito difícil manter a coerência cronológica. São acontecimentos mil que levaram à noite de junho de dois mil e dezenove, e mais mil acontecimentos depois disso. 

Metade da família passou a condenar a pastora, muitas testemunhas de fora vieram a público traçar um perfil manipulador e cruel de Flordelis, enquanto a outra metade da casa se via sem a menor referência do que fazer sem os pais para tocar aquilo tudo. A igreja, o Ministério Flordelis, acabou fechando, embora ela tenha pedido a quem ficou de fora para manter a igreja aberta, porque quem iria continuar indo a cultos relacionados a uma assassina?

Em novembro de dois mil e vinte e dois, os últimos julgamentos foram concluídos, e a sentença foi a seguinte:

Flordelis, a mãe de cinquenta filhos, ex-deputada e pastora, sensação da música gospel,  foi condenada a 50 anos por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio duplamente qualificado, uso de documento falso e associação criminosa armada. Se mantiver o bom comportamento e cumprir um terço da pena, pode ir a regime semiaberto em mais ou menos dezesseis anos, ou seja, quando já estiver com SETENTA E OITO anos. 

Caso cumprisse a pena toda, Flordelis só sairia da prisão aos CENTO E DOIS anos.

FLÁVIO, o filho biológico que efetuou os disparos, foi condenado a trinta e três anos de prisão por homicídio triplamente qualificado, porte ilegal de arma, uso de documento ilegal e associação criminosa armada. 

ADRIANO, o filho biológico que levou a carta falsa para que Lucas copiasse e a entregou a Andreia, que intermediava essa situação, foi condenado a QUATRO anos e meio de prisão em regime semiaberto por uso de documento falso duas vezes, sendo a carta da mãe para Lucas e a carta de Lucas, e por associação criminosa armada.

SIMONE, a filha biológica que assumiu a autoria do crime por motivo de violência sexual, foi condenada a TRINTA E UM ANOS por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio duplamente qualificado, pelas tentativas de envenenamento, e associação criminosa armada. 

Em resumo, apenas DANIEL, de filho biológico, NÃO foi condenado porque realmente não tinha nada a ver com a história. E, pra piorar, o menino ainda descobre, depois desse trelelê todo, que NÃO era filho biológico de Anderson e Flordelis, apesar de nas fotos de criança ele se parecer MUITO com Anderson. Enfim, essa é uma história paralela que mereceria um episódio à parte.

No campo dos adotivos e afetivos, as sentenças foram as seguintes:

LUCAS, o filho adotivo que confessou ter entregue a arma a Flávio, teve a pena reduzida por colaborar com as investigações e acabou condenado a SETE ANOS E MEIO por homicídio triplamente qualificado. Como ele já está preso desde dois mil e dezenove, e cumpriu o tempo mínimo de pena previsto para o pedido de progressão, Lucas entrou com recurso e, agora, em vinte e seis de janeiro, ele RECEBEU a progressão da pena para o regime semi-aberto. 

CARLOS, um dos filhos afetivos de Flordelis que a gente falou muito rápido por aqui porque, como eu disse, é gente demais, e que teve uma participação mais discreta no alinhamento do crime, foi condenado a dois anos de prisão em regime semiaberto por associação criminosa. Como também já cumpriu a etapa mínima, está atualmente em liberdade condicional. Ele é aquele que falou para Misael que a pastora estava envenenando Anderson. 

ANDRÉ LUIZ, um dos filhos a quem Flordelis pediu ajuda, por mensagem, e que afirmou, também por mensagem, que estava do lado dela, foi inocentado de todas as acusações, bem como MARZY, que buscava tanto a aprovação da pastora que não teria problemas, segundo ela mesma afirmava, em ir presa para proteger a mãe. 

RAYANE, neta biológica de Flordelis, que teria um suposto envolvimento junto à mãe, Simone, no envenenamento e morte do avô, também foi inocentada.

E MARCOS SIQUEIRA, o faxineiro da prisão, e sua esposa, ANDREA MAIA, que poderiam simplesmente viver suas vidas normalmente sem sarna para coçar, por terem facilitado idas e vindas da carta de instrução de Flordelis e a carta falsa de confissão de Lucas, também foram condenados a puxar uma etapa.

MARCOS teve a sentença de quatro anos e meio em regime semiaberto por uso de documento falso duas vezes e associação criminosa armada. Essa pena se junta aos mais de QUATROCENTOS anos de prisão ao qual ele foi condenado após participar de uma chacina com vinte vítimas no estado do Rio de Janeiro.

ANDREA foi condenada a quatro anos em regime semiaberto por uso de documento falso duas vezes e associação criminosa armada.

Estima-se que, para um dos documentários sobre o crime, Flordelis tenha embolsado cerca de QUATROCENTOS E CINQUENTA MIL reais por depoimentos exclusivos. Ao todo, além de um livro biográfico, o caso tem quase vinte horas de informações documentadas por grandes produtoras, como HBO e Globo Play, em que dezenas de 

São nesses materiais que, para além do crime cometido, temos um perfil de Flordelis que é caracterizado como manipulador, frio, calculista e até FEITICEIRO, cheio de passagens de ex-filhos adotivos e ex-amigos dizendo que sofreram lavagem cerebral para aceitar toda aquela situação.

Considerando que a condenada Flordelis seja, realmente, uma psicopata, uma manipuladora, sempre em busca de sucesso e prestígio, e dinheiro, e poder, claro, a pergunta que fica é: se Anderson não estivesse morto, e se Flordelis jamais tivesse enfrentado uma condenação como mandante intelectual do assassinato, COMO ou QUEM iria parar uma mulher que, como dizem os especialistas, é manipuladora? 

Será que seria a partir de, sei lá, uma… intervenção divina?

É, galera… para quem tem fé, talvez tenha sido EXATAMENTE isso o que aconteceu.

Roteiro e pesquisa: Lais Menini

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