Um idoso americano de setenta e quatro anos diz que está arrependido do que fez no passado e que gostaria de ter tido uma esposa, filhos, gostaria de ter formado uma família. Um desejo normal, certo? Mas que ele, o decapitador, nunca seria capaz de alcançar.
Antes de começarmos, como sempre, vale dar os avisos de gatilho para violência sexual, violência física e abuso infantil.
Até porque o caso que vou contar é um desses bem bizarros sobre o quanto a falta de amor e afeto na infância pode desencadear tragédias horríveis no futuro. Parece que essa coisa da infância distorcida, com sinais de abuso físico ou mental, ou os dois, é um denominador comum dos assassinos em série, principalmente daqueles que abusam sexualmente das vítimas.
Ele é um dos assassinos em série mais cruéis de toda a história.
Essa é a história de Edmund Kemper,





Mas, vamo lá. Edmund Emill Kemper Terceiro, mais conhecido como Ed Kemper, nasceu em mil, novecentos e quarenta e oito em Burbank, na Califórnia. Filho de Edmund Junior e Clarnell Kemper, ele tinha duas irmãs, Suzan, a mais velha, e Allyn, dois anos mais nova.
Ele sempre foi uma criança à frente de seu desenvolvimento. Além de ser muito, muito alto para sua idade, Ed também era muito inteligente. Na adolescência, chegou a fazer dois testes de QI que o pontuaram com cento e quarenta e seis, o primeiro, e o segundo mostrou que ele tinha cento e cinquenta e quatro pontos no coeficiente de inteligência.
Em outras palavras, o cara era praticamente um gênio. E podia ter tido um futuro mega brilhante, nos esportes que exigem altura ou em carreiras intelectuais, quem sabe até fazendo a diferença como um cientista que faz grandes descobertas… mas nada disso aconteceu. Ao contrário. Ed ficou famoso e fez a diferença como um dos maiores serial killers da história dos Estados Unidos.
Assim como outros nomes desse grupo, como Ted Bundy e Jeffrey Dahmer, dos quais já falamos em outros episódios, Ed teve uma infância bem turbulenta. Sua mãe, Clarnell, o tratava com desdém, isso quando não brigava com ele ou o humilhava a troco de nada, segundo o próprio chega a dizer em entrevistas.
Ela tinha problemas com álcool e sempre teve um comportamento abusivo em relação ao garoto. Ed conta que, aos oito anos, depois que a família via televisão na sala e todos rumavam para seus quartos, no andar de cima de casa, ele era obrigado a descer ao porão, onde dormia.
Não entendia porque tinha que dormir em um lugar tão frio e escuro, enquanto as irmãs descansavam confortavelmente em suas camas, mas tinha apenas oito anos e achava que a vida devia ser aquilo mesmo. Mais tarde, descobriu que a causa de ter que dormir no porão era o medo de sua mãe. Ele era muito alto e ela tinha medo de que ele fizesse algo a ela.
Ou seja, e aqui é um parêntese de opinião pessoal, se ela tinha medo de um garoto alto de oito anos é porque tinha alguma consciência de que o que fazia com ele não era certo, né?
Por outro lado, não dá pra imaginar um cenário de todos felizes assistindo à TV quando vamos um pouco mais fundo nas brincadeiras de infância dos três. Primeiro, ele teve duas experiências traumáticas ainda na infância, quando uma de suas irmãs tentou empurrá-lo na frente de um TREM e, tempos depois, o jogou em uma piscina, na qual ele quase se afogou.
Não fica claro porque ou qual das irmãs faz essas coisas com ele, mas já dá pra imaginar o nível de trauma do menino com tão pouca idade e vendo a irmã tentar matá-lo.
Nessa idade de oito anos, Ed já propunha brincadeiras mórbidas às irmãs, em especial à mais nova, e a um amiguinho mais próximo. Ele diz que gostavam de se prender em tapetes, para ver se conseguiam sair, e adorava brincar de, abre aspas, cadeira elétrica.
Nessa, ele era amarrado por cabos e fios a uma grande poltrona de sua casa enquanto Allyn, a irmã mais nova, fingia apertar um interruptor que ligaria a cadeira elétrica. Ed, então, se debatia todo até cair no chão, morto de mentirinha.
Nas entrevistas que deu para redes de televisão Ed diz que talvez tenha sido atraído pelas notícias de um homem que foi sentenciado à morte na cadeira elétrica quando ele ainda era criança, mas algumas outras atitudes durante sua infância e adolescência apontam que, talvez, não tenha sido SÓ isso.
Por exemplo: ele perseguiu uma professora da escola até em casa com uma faca. Não a ameaçou, mas estava ali, atrás dela, e contou para as irmãs, que questionaram porque ele não a havia beijado, já que estava perseguindo, e ele disse, abre aspas, que se a tivesse beijado, teria que matá-la, fecha aspas. Nisso, ele estava APENAS na SEGUNDA SÉRIE.
Mais tarde, aos dez, ele chegou a enterrar um gato vivo no quintal de casa, mas sua mãe descobriu e, aparentemente, libertou o animal. Nas pesquisas que fizemos, não fica claro, mas fato é que Clarnell sabia o que Ed tinha feito. Ele repetiu a maldade aos treze anos, quando matou outro animal de estimação.
Por falar nela, Clarnell era, realmente, uma mulher difícil de lidar. Era autoritária para além da medida, segundo os filhos, e Edmund Junior, o pai, disse que preferia ir para a Guerra do Vietnã, que começou em mil, novecentos e cinquenta e nove, do que continuar casado com ele. Assim, sai de casa, abandonando não só Clarnell como os três filhos. Nessa época, Ed tinha nove anos.
Se Ed e a mãe tinham problemas, não era diferente com o pai. Allyn, a irmã mais nova, disse em entrevistas de caráter médico relacionadas aos relatórios mentais de Ed que o pai os rejeitava emocionalmente e brigava muito, em especial com o irmão e a mãe. Pra piorar, quando o pai saiu de casa, a mãe começou a ressentir Ed cada vez mais.
Depois do divórcio, Ed Junior fica na Califórnia, onde forma uma nova família, e Clarnell vai para Montana com os filhos. Continua tendo um comportamento normal com as meninas, mas segue rejeitando o filho. Ela o culpava por ter ficado sem marido e o humilhava em qualquer oportunidade.
Dizia que ele era uma espécie de aberração, que nunca seria interessante para mulher alguma e nunca formaria uma família. Nas poucas vezes em que Ed lhe pedia um abraço, ou outra demonstração física de afeto, Clarnell lhe negava com a justificativa de que, abre aspas, ele viraria gay se ela ficasse o abraçando, fecha aspas.
Esse tipo de absurdo foi criando uma coisa horrenda na cabeça de Ed, que nunca se sentiu seguro emocionalmente perto da mãe e não acreditava que poderia ter um relacionamento, inclusive sexual, com mulher alguma porque Clarnell dizia, com toda a certeza do mundo, que ele jamais seria capaz de fazer isso.
Pouco depois de seu pai sair de casa, ele viu um show de mágica desses em que o mágico coloca uma pessoa no baú, a amarra, solta a guilhotina em seu pescoço e, TCHARAM!, a pessoa não morre. A guilhotina parece passar e a pessoa continua viva.
Ed sabia que era exatamente isso que iria acontecer; afinal, era um show de mágica, não uma decapitação em praça pública, mas assume que fantasiou com a possibilidade daquilo dar errado e a voluntária do número, uma garota de dezesseis anos muito bonita, ter realmente sua cabeça cortada. Começou, então, a ter fantasias sobre colecionar cabeças de mulheres.
Começou em casa, decapitando as bonecas das irmãs, que justificava como sendo fruto de pesadelos com mortes violentas.
O tempo passou e Clarnell não tratava o filho bem em nenhuma etapa da vida. Eles brigavam muito e, em uma das piores discussões, Ed colocou o rabinho entre as pernas, ligou para o pai, com quem também não tinha um bom relacionamento, e pediu para ir morar com ele na Califórnia. Ed Junior assentiu, avisando que já tinha uma nova família, uma nova esposa e filho, e que se as coisas não dessem certo ele teria que sair de casa.
E as coisas não deram certo. A nova esposa de Ed não gostava da presença do garoto e exigiu que ele saísse do lar. Para não enviá-lo de volta aos cuidados da mãe, acabou deixando-os com os avós paternos, que moravam em um rancho no interior do estado.
Sua mãe e sua avó paterna tinham um péssimo relacionamento e, no rancho, Ed descobriu a razão, e tem a ver com aquele ditado “dois bicudos não se beijam”, sabe? O avó era até ok, mas a avó era abusiva como a mãe, e só tinha palavras para humilhá-lo e colocá-lo para baixo.
Em dado momento, o avô deu a ele uma arma, para que pudesse matar coelhos e outros animais que ameaçassem o ecossistema ali do rancho. A avó achava tudo isso um absurdo, mas o avô incentivava, e Ed tinha um bom relacionamento com ele.
Nessa época, ele até fez amizade com um garoto das redondezas, mas quando o gato da família sumiu e eles suspeitaram que Ed havia dado fim no bicho, o amigo acabou se afastando e ele se viu sem ninguém, além dos avós.
Em mil, novecentos e sessenta e quatro, Ed está na varanda do rancho com a avó e eles tem uma das muitas brigas em que ela fala todo tipo de coisa horrível para ele. Ele tinha dezesseis anos quando entrou em casa, pegou a arma que o avô lhe deu e voltou para a varanda, deu um tiro na cabeça dela e dois nas costas.
O corpo ainda tinha marcas de faca, possivelmente feitas depois da morte.
Ed escuta o barulho do carro do avô chegando ao rancho e se apressa para encontrá-lo. Temendo que ele tenha um infarto ao ver a esposa morta, ou algo do tipo, Ed decide poupar-lhe o sofrimento e mata o avô ali mesmo, na garagem.
Sem saber o que fazer, liga para Clarnell, a mãe, que diz que se ele não ligasse para a polícia imediatamente, ela ligaria. Então, ele ligou.
Como era menor de idade e deu essa explicação completamente sem pé nem cabeça para o assassinato do avô, já que não faria a MENOR diferença se ele morresse infartado de susto, então por que matá-lo antes?, foi enviado para uma espécie de prisão em hospital psiquiátrico. Lá, disse aos médicos que matou os avós, abre aspas, só para ver como era, fecha aspas.
O objetivo da internação após a confissão era que ele tivesse o diagnóstico e o tratamento correto e pudesse, eventualmente, ser reinserido na sociedade com um estado mental estável.
Só que… lembra quando eu disse que o cara tinha um QI altíssimo, de gênio? Pois é…
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Depois de muitos exames, entrevistas e conversas, Ed Kemper foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide e recebeu o tratamento para essa condição, ao qual parecia responder muito bem. Ele ficou nesse hospital por cerca de cinco anos e, nesse tempo, se tornou uma espécie de preso modelo.
Ele aprendeu a fazer algumas coisas e ajudava a equipe do hospital em tarefas rotineiras.
Só que não. Olha só: uma dessas tarefas era aplicar a outros criminosos que chegassem ao local o mesmo teste que foi aplicado a ele para o diagnóstico de sua condição mental. Chegou a fazer essa entrevista com predadores sexuais, com quem aprendeu que é melhor matar a vítima para que ela não identifique o predador.
Isso, por si só, já é bem esquisito. Uma coisa é a pessoa estar presa e fazer ali um trabalho de lavanderia, na cozinha, mas você ser interno de uma prisão psiquiátrica e ter abertura para ENTREVISTAR CRIMINOSOS para um diagnóstico mental é demais, não é não?
Só que Ed é muito inteligente. Muito. E é óbvio que ele aprendeu muito mais do que o que fazer com uma vítima depois de cometer o crime. Ele aprendeu a burlar os testes. Entendeu os pontos críticos de cada um deles e utilizava o que tinha aprendido nas próprias entrevistas.
Conclusão: aos vinte e um anos ele estava de volta às ruas, liberado por estabilidade e controle da esquizofrenia paranoide. Mas, calma, que você não está nem um pouco preparado para o que eu vou dizer agora. Senta aí na cadeira pra não levar um tombo: ele se comportou tão bem nessa ESTADIA no hospital-prisão que, quando saiu, o REGISTRO MÉDICO dele foi REMOVIDO do histórico da instituição.
Em outras palavras, era como se ele nunca tivesse estado lá, para início de conversa.
E, com essas falhas no sistema de segurança, o estrago estava feito. Ed era jovem, sentia que podia ter controle sobre a vida das pessoas, sobre o que elas pensam e até sobre o funcionamento de investigações criminais. Não demorou muito para que começasse a frequentar um bar cheio de policiais e fazer amizade com eles.
Aos poucos, como quem não quer nada, Ed conseguia informações relevantes sobre crimes na região e ia absorvendo as dicas, digamos assim, do que fazer ou não fazer caso, um dia, matasse alguém de novo.
Para o azar de oito mulheres da região de Santa Cruz, onde Ed voltou a residir com a MÃE, foi exatamente o que aconteceu.
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Oito anos após matar os avós, em mil, novecentos e setenta e dois, Ed Kemper começaria uma série de assassinatos que vai tornar os próximos anos um inferno para a comunidade acadêmica de Santa Cruz. Afinal, seu alvo eram garotas, estudantes do centro educacional da cidade, onde, QUE SURPRESA, sua própria mãe trabalhava.
Mas, antes de tirar a vida de MaryAnn Pesce e Anita Luchessa, ambas de dezoito anos na época da morte, Kemper tentou criar uma persona normal, alinhada aos valores da sociedade, longe de qualquer suspeita.
Ele era um gigante de dois metros e seis centímetros e tinha pouco traquejo social. Além de poucos amigos na infância, ainda tinha o tempo em que passou no hospital psiquiátrico e, mesmo sendo uma presença constante nas rodinhas de policiais, Kemper sentia que precisava se recolocar socialmente.
De tanto conversar com policiais, acabou tomando gosto pela profissão, mas não conseguiu se tornar um – o que não o impediu de comprar um veículo similar ao da polícia, sem as tarjas, óbvio, como carro de passeio. Ele começou, então, a oferecer carona a estudantes que iam e vinham do centro educacional para, segundo ele mesmo, desenvolver essa habilidade da conversa, do papo.
Ele queria flertar, ir a encontros, fazer coisas das quais a mãe dizia que ele era incapaz. Por um lado, queria provar que estava errada. Mas, por outro, um lado mais obscuro, estava alimentando o desejo de matar, de controlar quem vive e quem morre. Antes da primeira carona mortal de sua série de mortes, chegou a transitar com cento e cinquenta pessoas no seu carro, treinando formas de abordagem e tentando entender o que leva, OU NÃO, uma pessoa entrar no carro de um estranho.
Uma coisa que todo mundo que trabalha com saúde mental fala é que o psicopata tem uma facilidade enorme de manipular as pessoas, já que não são capazes de sentir empatia. Kemper exercitou essa facilidade e a transformou em habilidade. Ao oferecer carona, fazia isso de forma que o caroneiro ou caroneira confiassem nele, naquele homem gigante, como uma pessoa que apenas vai levá-los do ponto a ao ponto b, nada mais.
Ele conseguiu ser essa figura por mais de um ano, até que se sentiu à vontade para dar o próximo passo. Quando, em maio de mil, novecentos e setenta e dois, as estudantes MaryAnn e Anita entraram em seu carro, jamais poderiam imaginar o que lhes aguardava.
Ed ofereceu a carona para que fossem às aulas e, quando elas não voltaram para casa, a primeira reação dos pais foi pensar que tinham ido dormir na casa de alguém, ou dormir uma na casa da outra, enfim. Era a década de setenta, em uma pequena cidade, e ninguém desconfiaria de um monstro à solta. Mas, ao registrarem as duas amigas como pessoas desaparecidas, as investigações mostraram que havia, sim, muito motivo para preocupação.
A cidade entraria em um verdadeiro tormento após a cabeça de MaryAnn Pesce ser encontrada na floresta da cidade de Santa Cruz. Seu corpo foi desmembrado e distribuído por vários pontos da região. O corpo de Anita Luchessa nunca foi encontrado, mas Ed afirmou, em confissão, que esquartejou a garota.
Esse foi seu primeiro crime, desde o assassinato dos avós, e ele QUASE foi pego. Depois de matar as duas, ele colocou os corpos no porta-malas e os levou para seu apartamento. Só que, no meio do caminho, foi parado por uma viatura policial, por causa de uma lanterna de farol quebrada. Ele tentou manter a tranquilidade e conseguiu, porque o policial jamais pediu que saísse do veículo ou que abrisse o porta-malas.
Se fizesse isso, talvez a história de mortes por Ed Kemper tivesse parado por aqui. Infelizmente, ele seguiu apenas com a advertência do policial. Ao chegar em casa, antes de desmembrar os corpos, ele praticou necrofilia com ambos.
Quatro meses depois, uma nova vítima. Dessa vez, Aiko Koo, de quinze anos, também caroneira do centro educacional. Essa foi a maior confusão. Kemper diz que, no meio da carona, apontou a arma para ela. Parou em um lugar longe, escuro, e conseguiu se trancar PARA FORA do carro, com Aiko e a ARMA LÁ DENTRO.
Ou seja, ela podia pegar a arma e o ameaçar, até conseguir fugir, se soubesse dirigir poderia tentar ir de carro, denunciar Ed… mas, por algum motivo que jamais saberemos qual, mas que humildemente acho que seja puro choque, mesmo, Aiko ABRIU a porta e deixou seu algoz entrar. Ela foi estrangulada com o próprio cachecol.
Com o cadáver da jovem no carro, a caminho de casa, Kemper ainda parou no bar, conversou com os policiais e bebeu cerveja antes de decapitar e desmembrar o corpo de Aiko, enterrando cada parte em um local diferente.
No ano de mil novecentos e setenta e três, em janeiro, ele ofereceu carona a Cindy Schall, uma estudante de dezessete anos, que seria sua terceira vítima. Ele tinha voltado a morar com a mãe e, após dar a carona e matar Cindy, ele levou o corpo para a casa da mãe, onde o decapitou e enterrou a cabeça no quintal, exatamente debaixo da janela da mãe, olhando para cima. Anos depois, em sua confissão, ele disse que fez isso porque, abre aspas, Clarnell adorava ser o centro das atenções, e agora teria alguém olhando sempre para ela, fecha aspas.
Com a morte de Cindy, as autoridades sugerem que as pessoas, principalmente as mulheres, evitem pegar carona, a menos que seja em carros do centro educacional, com pessoas confiáveis. E, em fevereiro, é exatamente o que Rosalind Thorpe, de vinte e três anos, e Alisson Liu, de vinte, fazem: aceitam carona de um homem em um carro com o adesivo da escola.
Naquele dia, Ed e sua mãe tiveram mais uma de suas discussões e, enfurecido, ele resolveu pegar o carro DELA, que trabalhava no centro educacional e, portanto, tinha o adesivo, para encontrar uma vítima. Com esse movimento, Kemper estava um passo à frente, já que tinha recursos para burlar até mesmo uma espécie de ordem da polícia, que era não entrar em carros sem identificação de veículo de funcionário da escola.
Ele conta que, por causa do histórico de mortes, uma das meninas não quis entrar no carro. Estava desconfiada e chamou a amiga para ir a pé, mesmo. Ed usou suas técnicas de manipulação para ganhar a confiança da estudante. Disse que estava atrasado, deu uma desculpa que deixou as garotas confortáveis e elas, finalmente, entraram no carro.
No caminho, viu que Rosalind, no banco de trás, o olhava pelo retrovisor e pensou que ela pudesse estar flertando com ele. Com rapidez, ele pega o revólver, que tinha deixado no meio de suas pernas, e atira na cabeça de Rosalind. Antes que Alisson pudesse reagir, ele faz o mesmo com ela.
Com os dois cadáveres, ele procura um lugar ermo, estaciona, enrola os corpos em cobertores e os leva para a casa da mãe, onde os decapita e desmembra, tomando cuidado de tirar as balas e jogá-las fora para que a arma não pudesse ser identificada.
Mais uma vez, ele pratica necrofilia e espalha os restos mortais das garotas. As cabeças são encontradas por um grupo de caminhada e a descoberta deixa a região de Santa Cruz cada vez mais amedrontada e estarrecida.
Edmund Kemper afirmou, na confissão, que à essa altura ele já tinha entendido porque fazia isso. Era um misto de fantasias mórbidas da infância, como a guilhotina do mágico, e um ódio silencioso alimentado contra a própria mãe, que o fazia de gato e sapato. Ninguém vem atrás dele, já que a polícia não consegue enquadrar ninguém como suspeito porque, além de ele tomar todo o cuidado que aprendeu a ter observando a polícia e os internos daquele hospital psiquiátrico, o negócio tava feio ali na região de Santa Cruz por outros motivos: tinha mais gente tocando o terror na região.
No apagar das luzes dos anos sessenta, em agosto de mil novecentos e sessenta e nove, a Califórnia viveu o trauma da morte da atriz Sharon Tate, que estava grávida, e seus convidados pelas mãos da seita de Charles Manson. No início dos anos setenta, John Linley Frazier cometeu uma série de cinco assassinatos na região de Santa Cruz, enquanto Herbert Mullin tirou a vida de treze pessoas, também na Califórnia, ao mesmo tempo em que Ed estava fazendo suas vítimas.
Ou seja: era seita e serial killer pra tudo quanto é lado em um único estado, então chegou uma hora que a polícia não sabia mais dizer o que era o que, qual modus operandi era de quem. Nos Estados Unidos, os assassinos em série recebem uma espécie de apelido para que a mídia dê a notícia de forma que o público entenda o que está acontecendo e onde.
Como as identidades dos criminosos ainda não haviam sido descobertas, Kemper era o Co-Ed Killer, já que matava as estudantes do centro educacional, enquanto Jon Frazier era o The Prophet Killer, pois deixava notas com citações bíblicas nas cenas dos crimes. Herbert não recebeu um apelido, mas, depois que foi identificado como responsável pela morte de treze pessoas, se tornou o “assassino do terremoto”, pois acreditava que só sacrifícios humanos poderiam parar os tremores de terra da magnitude do que atingiu San Francisco em mil novecentos e seis e deixou três mil mortos.
Por mais que a polícia se esforçasse, e o método de Kemper fosse muito específico, com as decapitações e tal, ele não era encontrado de jeito nenhum. Isso deu a ele espaço para cometer seus dois últimos assassinatos.
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Quando cai a ficha de que as mortes que ele comete são, de certa forma, para atingir a própria mãe, já que destina a essas mulheres o que queria fazer com Clarnell, Ed decide que a única forma de parar é tirando a vida dela.
Ele diz que planejou a morte de Clarnell por mais de uma semana e, em setembro de mil, novecentos e setenta e três, depois que ela voltou bêbada de uma festa de aniversário, eles tiveram mais uma discussão. A mãe foi para o quarto, ler um livro, e quando Ed parou na porta, para lhe desejar boa noite, ela teria dito, abre aspas, lá vem você querendo conversar a noite toda, fecha aspas.
Ed conta que, geralmente, o roteiro era esse: eles brigavam, ela acabava com ele, ele pedia para conversar e eles conversavam por muitas e muitas horas até que as coisas ficassem mais ou menos bem entre eles. Então, nesse dia, ele apenas disse a ela que não, não ia ter conversa. Foi para seu quarto e, às cinco da manhã, voltou ao quarto da mãe, onde ela dormia, com um martelo.
Ele acertou vários golpes em Clarnell e, represando toda a raiva que sentia por todos esses anos, decidiu humilhá-la. Decapitou a própria mãe, conforme sua assinatura pessoal e praticou atos de necrofilia com a cabeça, que foi parar na lareira, onde ele BRINCOU de tiro ao alvo com dardos.
Antes, porém, arrancou-lhe a língua e as cordas vocais e colocou no triturador de lixo da pia. Ed conta, em entrevista, que essa era uma forma de destruir a maior arma de sua mãe contra ele: as palavras.
Escondeu o cadáver no closet, foi a um bar, beber e, na volta, ligou para Sally Hallett, de cinquenta e nove anos, melhor amiga de sua mãe, e a convidou para um almoço. A idosa se torna a última vítima de Ed, que a mata, tem relações sexuais com o corpo e o desmembra.
Depois desses assassinatos, Ed Kemper dirige por dezoito horas, sem rumo, e se dá conta de que ninguém está atrás dele. Aliás, como ele é amigo de vários policiais de Santa Cruz, ele sabe que não é suspeito. Diz que, com a morte da mãe, os assassinatos tinham que parar. Afinal, de uma forma ou de outra, foi tudo para ela ou por causa dela.
Então, ele volta, liga para a polícia e confessa.
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A primeira reação dos policiais é achar que Ed está brincando. Eles o conhecem, ele está sempre no bar, bebendo com a rapaziada… sem chance de ser o Ed, que é isso…
… mas, aí, ele liga de novo para a polícia e, ao depor, começa a dar aquele tipo de detalhe que só quem esteve na cena sabe. E, como as vítimas estão mortas, apenas o assassino poderia contar esses segredos.
Ed Kemper solta informações precisas sobre a localização dos corpos, incluindo uma cabeça em seu próprio quintal, e confessou os oito assassinatos. Disse que as cabeças eram seus troféus, que, quando criança, ele entendeu que, quando você tira a cabeça de alguém, a pessoa morre. Então, resolveu que essa seria sua assinatura.
Ele foi preso, preventivamente, e julgado em novembro de mil, novecentos e setenta e três, onde foi declarado culpado de oito homicídios em primeiro grau. Os advogados de defesa quiseram ir pelo caminho da insanidade mental, que o tinha colocado no hospital psiquiátrico, na adolescência, mas o júri não comprou essa condição.
Um dos muitos motivos para isso pode ter sido o testemunho de Allyn Kemper, a irmã mais nova de Ed. Ela disse no julgamento que achava que ele estava envolvido na morte de Cindy Schall, e que sua mãe compartilhava desse sentimento. Contou que chegou a perguntar diretamente para ele se estava envolvido e que o irmão negou, trazendo à tona a história do gato da família, que ele matou aos treze anos.
Abre aspas, você acha que eu matei ela por causa da história do gato? Deixa isso quieto, fecha aspas, foi o que Ed falou à irmã. Ela também disse se recordar de uma vez quando, ainda criança, em Montana, ela quase foi a primeira vítima de Ed.
Ele estava andando pra lá e pra cá com uma arma e, de repente, Allyn sentiu algo roçar na sua orelha e atingir uma estante. O estampido que ouviu era um tiro. Ao olhar para o irmão, ele teria dito, abre aspas, ops! Achei que estava descarregada!, fecha aspas.
Ao ser perguntado qual deveria ser sua sentença, Ed Kemper respondeu ao juiz que gostaria de receber pena de morte pelo método de tortura – método que nem existe, aliás. Ele pegou prisão perpétua sem possibilidade de condicional pela morte de oito pessoas e chegou a ser colega de prisão de Herbert Mullins, o assassino do terremoto.
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Edmund Kemper ainda está vivo. Tem setenta e quatro anos e continua preso. Desde sua confissão até os dias de hoje, ele presta uma espécie de auxílio ao FBI e outras agências de inteligência para ajudá-los a traçar perfis de assassinos em série.
Aliás, muito do que a gente entende hoje como o perfil de um serial killer, incluindo o modus operandi, a assinatura e algumas atitudes, como colecionar souvenir das vítimas ou voltar à cena do crime para revivê-la, é creditado às dicas de Kemper.
Além dessa, digamos, consultoria, ele também trabalha narrando audiolivros para cegos. Hoje, diz que se arrepende do que fez, exceto pela morte da própria mãe. Afirma que gostaria de ter sido parado logo no início, quando sentiu que poderia matar, e que é essa sensação que o leva a ajudar a polícia a encontrar e parar outros criminosos antes que eles se tornem assassinos em série.
Ed Kemper tem certeza de que a única razão pela qual está preso é porque confessou. Se não tivesse feito isso, poderia estar livre, mas não conseguiria vivê-la da forma que acha a certa. Ao ser perguntado em uma entrevista se não tivesse matado ninguém, nunca, onde ele acha que estaria, Kemper afirmou que estaria casado, com filhos, se preparando para ter netos.
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Ainda que culpe sua mãe por todas as atrocidades que fez, e que as testemunhas digam que, realmente, o relacionamento dos dois era tóxico e abusivo, vale lembrar que isso NÃO justifica nenhum dos assassinatos.
Aliás, ao analisar esse tipo de história o que a gente pretende é fazer o possível para que ela não se repita. Então, se você ou alguém que você conhece viveu ou está vivenciando uma infância abusiva, tem um relacionamento tóxico com pais e irmãos e desconta a raiva em atitudes violentas ou fantasias obscuras, procure auxílio médico especializado.
Ninguém é obrigado a passar por essas atrocidades sozinho e, acima de tudo, ninguém deveria pagar com a própria vida os erros que os pais eventualmente cometem com quem atravessa nosso caminho.
Fontes:
https://cm-ob.pt/where-are-ed-kemper-s-siblings-now
http://edmundkemperstories.com/blog/2020/08/21/ed-kempers-sister-testifies-at-trial/
https://en.wikipedia.org/wiki/John_Linley_Frazier
https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/344746724/edmund-kemper-o-gigante-assassino