Em 1999, nos Estados Unidos, um massacre em uma escola terminou com treze vítimas fatais, vinte e quatro feridos e dois atiradores mortos por suicídio. Vinte anos depois, no Brasil, um adolescente e um jovem decidiram que iriam, segundo as próprias palavras, superar Columbine.
O caso de hoje é sobre o massacre de Suzano.




Armas de fogo, machados e um ódio desmedido por desafetos: essas foram as armas de Guilherme, de 17 anos, e Luiz Henrique, de 25, durante a manhã de treze de março de dois mil e dezenove, na escola estadual Raul Brasil, em Suzano, na região metropolitana de São Paulo.
Já aviso, logo no começo, que não vou falar o nome completo dos atiradores, e é de propósito. As investigações que se seguiram ao crime demonstram que uma das coisas que os dois buscavam com o ato era fama, e não tenho a menor intenção de dar isso a eles através do nosso canal.
O Casos Reais existe para que a gente possa documentar a história a partir de relatos, reportagens, documentários e outros registros públicos sobre os acontecimentos, e é importante que a gente revisite esses cenários para, inclusive, evitar que se repitam de novo.
Aliás, infelizmente, esse roteiro foi escrito no mesmo dia em que um assassino invadiu duas escolas e matou três pessoas no Espírito Santo.
Com esse canal eu também tento relembrar as vítimas, que muitas vezes são esquecidas nas narrativas sobre seus algozes, e acredito de verdade que pessoas que entram em escolas tocando o terror não merecem nada além do esquecimento. Se os dois feitores do ataque de Suzano queriam se tornar protagonistas, eles falharam miseravelmente.
Aqui não vou dar palco pra eles. Mas é muito importante que esse momento da história, que deixou onze vítimas fatais e dezenas de feridos, não saia da nossa memória.
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Era uma quarta-feira, nove e meia da manhã, quando Guilherme e Luis Henrique promoveram uma verdadeira cena de guerra na escola Raul Brasil, em Suzano. Encapuzados, usando balaclavas e coturnos, eles entraram no horário do intervalo e abriram fogo contra estudantes, professores e funcionários.
Porém, a história desse dia começa um pouco antes, em uma oficina automotiva do tio de Guilherme. Conforme apurado pelas investigações, os assassinos tinham combinado que, antes de ir à escola, matariam um desafeto de cada um. No caso do tio de Guilherme, Jorge Antonio de Moraes, o assassinato foi motivado por uma briga familiar. O adolescente chegou a trabalhar para Jorge, mas foi mandado embora depois de uma suspeita de furto no caixa da empresa, e Guilherme não se recuperou do que considerava uma humilhação.
Jorge chegou a ser socorrido e levado para um hospital, mas não resistiu, se tornando a primeira vítima do massacre de Suzano.
Seguindo o combinado, os assassinos foram até a casa do desafeto dessa vez de Luis Henrique, que não estava em casa. Então, eles foram em direção à escola, já que tudo era muito próximo: a oficina, a casa da potencial outra vítima e o colégio Raul Brasil, onde Guilherme estudava e do qual Luis Henrique era ex-aluno.
Eles chegaram à escola em um carro branco que foi alugado para essa finalidade. Guilherme entra sozinho, de mochila e com uma pasta na mão, e se passa por um estudante normal, sem levantar nenhuma suspeita, enquanto Luis fica no carro. Guilherme chega a olhar para trás, pra ver se Luis está vindo, e quando percebe que ele ainda não saiu do carro, não se abala e segue para dentro da instituição.
Câmeras de segurança registraram o momento em que os dois entram na escola e atiram contra pessoas aleatórias. As imagens são absurdas. Uma que rodou o mundo todo foi a de um dos atiradores de costas para o balcão da recepção. Nessa hora, dez pessoas estão paradas, conversando tranquilamente.
Em uma fração de segundos, o menino tira uma arma debaixo da blusa de moletom e se vira, empunhando o revólver para esse grupo de pessoas.
E eu falo que é uma fração de segundos porque É MESMO. Se a gente congela a imagem quando o atirador já está com a arma na mão, vamos ver que ninguém, absolutamente NINGUÉM, se dá conta, no ato, do que é que está acontecendo. Meio segundo depois, e com três vítimas fatais já nessa cena do crime, o caos está instaurado.
Um câmera externa chegou a captar a imagem de um deles correndo com a arma nas mãos para a área do refeitório, onde dezenas de estudantes começam a correr desesperadamente, para todos os lados.
Enquanto isso, outra câmera registra a entrada de Luis Henrique no Raul Brasil. Ele parece estar segurando armas, um arco e flecha e, pela filmagem, parece meio estabanado, meio apressado. Ele está na recepção, onde Guilherme já tinha deixado vítimas, quando pega uma machadinha e começa a acertar pessoas caídas.
De acordo com os relatos de sobreviventes, o pânico foi geral. Primeiro, as pessoas não relacionaram o barulho a tiros, o que é bem comum nesses eventos. Afinal, quem vai achar que, em uma manhã normal de aulas, um atirador está à solta pelos corredores de uma escola de crianças, ainda mais no Brasil?
Quando as primeiras testemunhas oculares se deram conta de que não era barulho de foguete, trote, brincadeira, nada disso, começou a correria. Em meio ao tiroteio, alguns alunos ligaram para os pais, desesperados, tentando se esconder. Muitos responsáveis saíram correndo de onde estavam e foram direto para a escola, com medo de que seus filhos fossem vítima do que quer que estivesse acontecendo ali dentro.
Um policial militar à paisana, que passava FORA da escola, ouviu o barulho de tiros e correu para DENTRO da instituição. Eduardo Andrade Santos tinha 34 anos quando conseguiu interceptar os assassinos até a chegada das viaturas policiais.
Mas, até que isso acontecesse, sete pessoas perderam a vida pelas mãos dos dois atiradores.
A primeira foi Marilena Ferreira Vieira Umezo, de cinquenta e nove anos, professora e coordenadora da escola. Ela chegou a receber os dois na portaria e, segundo a investigação, não era um alvo específico. Nenhum dos assassinos tinha algo contra ela – e não que justificasse, se tivessem, mas a brutalidade do fator aleatório é chocante.
Foi aleatória também a morte da inspetora Eliana Regina de Oliveira Xavier, que tinha trinta e oito anos na época, e foi a terceira vítima de Guilherme e Luis.
Ainda perderam a vida no ataque os estudantes Kaio Lucas da Costa Limeira, de quinze anos, Douglas Murilo Celestino, de dezesseis anos, Cleiton Antônio Ribeiro, de dezessete anos, Samuel Melquíades Silva de Oliveira, de dezesseis anos e Caio Oliveira, de quinze anos.
A lista de mortos poderia ser bem maior.
Uma das estudantes sobreviventes contou a reportagens da época que entrou em luta corporal com Luis Henrique. Ela se chama Rílari e correu para a recepção onde ele estava, pouco depois de acertar a machadadas as pessoas caídas. Ele tenta agarrá-la, mas ela consegue permanecer de pé, mesmo levando socos na cabeça.
Lutadora de jiu-jitsu, ela acredita que a disciplina nos treinos do esporte foi o que a salvou, já que precisou ter sangue frio e técnica para lidar com uma pessoa bem maior e, ainda por cima, armada.
Logo que Rilari consegue se afastar do assassino, saindo pela porta da frente da escola, Luis dá de cara com dezenas de outros estudantes que correram para a recepção em busca de abrigo, ou tentando sair, mesmo, pela porta principal.
Ali, ele tenta acertar novas vítimas com a machadinha e uma faca. Uma delas era José Vitor Lemos, na época com dezesseis anos. Ele saiu correndo e procurou um hospital, onde chegou com o MACHADO ainda pendurado no ombro.
Dos sobreviventes, Anderson Carrilho de Brito, de quinze anos, foi o que ficou internado por mais tempo. Ele passou vinte e um dias na enfermaria do Hospital das Clínicas da USP, onde chegou em estado grave.
Beatriz Gonçalves, Guilherme Ramos, Jenifer Silva Cavalcanti, Leonardo Martinez Santos, Leonardo Vinicius Santana, Leticia Melo Nunes, Murilo Gomes Louro Benite e Samuel Silva Felix foram as outras vítimas atendidas em hospital e sobreviveram ao massacre de Suzano.
Essa história de horror para os alunos que se feriram, física e psicologicamente, naquele dia treze de março de dois mil e dezenove, terminou por causa daquele policial militar, Eduardo, que entrou na escola ao ouvir o barulho de tiros. Ele deu de cara com os criminosos, que chegaram a atirar nele, naquela mesma recepção onde fizeram as primeiras vítimas.
O tiro atingiu a parede e Eduardo começou a gritar dizendo que eles estavam cercados, que a polícia estava fora da escola, e eles precisavam se entregar. Isso não era verdade; a polícia chegou, sim, pouquíssimo tempo depois, mas, naquele momento, Eduardo ainda estava sozinho. Era apenas um policial sob licença médica que tentou entrar na escola para evitar uma cena ainda pior.
Ele relatou a reportagens que, quando a polícia tática entrou na escola, ouviram dois estampidos de tiro. Eram as duas últimas mortes do massacre de Suzano. Guilherme atirou em Luis Henrique e, logo em seguida, atirou contra si próprio.
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Quando essas coisas acontecem, as pessoas se perguntam o porquê de tudo aquilo. Três anos depois da ocorrência, essa ainda é uma pergunta sem resposta.
As investigações mostraram que os dois assassinos se julgavam desajustados, socialmente relegados, e participavam de fóruns de internet sobre vingança à sociedade, no geral. Eles utilizaram recursos da chamada deep web para planejar o crime, comprar as armas e afirmar para o mundo que iriam, abre aspas, superar Columbine, fecha aspas.
A polícia encontrou indícios de que Guilherme e Luis Henrique eram amigos de infância e, em cadernos encontrados em suas casas e pelo histórico de pesquisa na internet, eles premeditaram a ação e até receberam manifestações motivadoras de outros criminosos na internet, se é que podemos dizer que isso é algo motivador.
Os investigadores chegaram a divulgar que havia uma terceira pessoa envolvida no planejamento da chacina e que não foi à aula naquele dia. Depois do crime, o menino, menor de idade à época, chegou a trocar mensagens com uma professora e disse não estar nem um pouco chocado com o que os colegas tinham feito.
A professora achou esse comportamento estranho e se lembrou de uma dinâmica que tinha feito, meses antes, na qual os alunos desenhavam coisas com as quais eles sonhavam para depois da escola, ou o que ficaria na mente deles depois de concluírem o ensino médio.
Esse menino, em questão, desenhou uma cena sangrenta de massacre, que a professora chegou a questionar depois da dinâmica. Mas, como adolescentes às vezes fazem coisas estúpidas sem nenhum motivo aparente, e o garoto era um aluno sem histórico de violência, ela deixou pra lá.
Contudo, com a troca de mensagens e a lembrança do desenho, a professora procurou o ministério público. Ao investigarem, viram que, de fato, essa pessoa passou por todas as etapas de planejamento do ato – e, por algum motivo, não foi à escola NAQUELE DIA.
Em sua defesa, ele disse que participou do plano mas que achava que, abre aspas, era algo de ficção, fecha aspas, e não acreditava que Luis e Guilherme seguiriam com o ato. E se a professora achava que ele não tinha histórico de violência, é porque não entrou na casa dele antes. O cara tinha livros de cunho nazista em casa e participava de fóruns ilegais com essa temática, além de um histórico de interações racistas e homofóbicas em outros grupos e plataformas de redes sociais.
Muito se falou na época sobre o envolvimento e potencial inspiração dos jogos de video game no crime, já que os criminosos se vestiram a caráter e levaram armas como machadinha, besta, arco e flecha, além das armas de fogo, mas a real é que não tem nada disso não.
Quantas pessoas que você conhece que tem jogam Call of Duty, GTA, etc., e que não saem por aí matando pessoas? Pois é. A culpa de um crime desses não é dos jogos de video game; é dos criminosos.
Há um histórico de que essas pessoas se sentem preteridas, desajustadas, sofrem bullying, mas nada disso justifica um homicídio, quanto menos uma chacina. Também não podemos cair na armadilha de tirar decisões precipitadas sobre saúde mental, dar diagnósticos psicológicos ou psiquiátricos nem nada do tipo quando não acompanhamos os criminosos. A nós cabe a dúvida do porquê, que nunca será respondida, e o constante estado de alerta principalmente sobre com QUEM crianças e adolescentes andam conversando nos fóruns do submundo da internet e sobre o que SÃO essas conversas.
E, ao mínimo sinal de que algo está errado, buscarmos ajuda ESPECIALIZADA para quem quer que seja. É assim que podemos evitar que Columbine, Suzano ou Aracruz, no Espírito Santo, município que sofreu um ataque em escola no dia em que fizemos esse roteiro, sejam narrativas que se repetem conforme o tempo passa.
Roteiro: Lais Menini
Fontes: